Filmes

Crítica

Free Zone | Crítica

Free Zone

19.01.2006, às 00H00.
Atualizada em 12.11.2016, ÀS 21H04

Free Zone
Free Zone
Bélgica/ Israel/ França/ Espanha, 2005
Drama, 90 min.

Direção: Amos Gitai
Roteiro: Amos Gitai, Marie-Jose Sanselme

Elenco:
Natalie Portman, Hana Laszlo, Carmem Maura, Hiam Abbass, Aki Avni, Makram Khoury.

Existe um lugar, quase perdido no meio da Jordânia, em que judeus, palestinos, muçulmanos e católicos de países como Síria, Egito, Irã e Iraque esquecem suas diferenças religiosas e colocam para trás todo o ódio que os move há gerações. Ali não se fala de guerra santa e as pedras e bombas são substituídas por um chazinho de menta, acompanhados de sorrisos e de muita persuasão. Trata-se da zona de livre comércio a que se refere o título do último filme do diretor israelense Amos Gitai.

A primeira cena, que se estende por cerca de dez minutos, é a versão encontrada pelo diretor para os avisos de segurança das companhias aéreas. Ele adverte o espectador, pouco antes da partida, dos riscos que ele pode correr na viagem. E o faz de maneira bastante particular: enquadra o belíssimo rosto de Natalie Portman que, na pele da jovem Rebecca, chora desconsolada e silenciosamente. Ela olha pela janela do carro e ninguém enxerga o que se passa do lado de fora, ainda que se possa ouvir o burburinho e ver as sombras de muitas pessoas que passam não se sabe para onde. As lágrimas correm e o rímel segue com eles, marcando o trajeto de uma aflição desconhecida, pontuada por soluços abafados por uma canção folclórica que fala de leões que matam cachorros que comeram carneiros comprados por apenas duas moedas...

Com a música termina também a indecisão da garota, que comunica à motorista do táxi, Hanna (Hana Lazlo, que levou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes) sua decisão de seguir viagem. Sim, ela sabe que será longa e cansativa, mas não se importa: assim como o espectador, tudo o que quer é sair dali. O relacionamento das personagens evolui à medida que os quilômetros avançam, passando da tensão dos postos de checagem nas fronteiras ao conforto cúmplice de cantar junto com o rádio, dançando dentro do carro, no caminho de volta para casa. Valendo-se de uma técnica que sobrepõe até oito camadas de imagem diferentes, Gitai mostra quem são aquelas mulheres e como vieram a se encontrar. Trabalha olhares, vícios de linguagem e trejeitos com máxima eficiência para revelar a personalidade e a motivação de cada uma, aproximando-as ainda mais da audiência.

Tudo o que se sabe é que Hanna tem assuntos de família para resolver. Ela parece tensa, está atrasada para encontrar ‘O Americano’. Ao chegar ao escritório, elas encontram Leila, que as conduzirá a um povoado próximo, aonde eventos inesperados virão atrapalhar os planos. O desenrolar dos fatos é fascinante e não merece ser antecipado, mas um comentário anterior de Rebecca sobre os itens negociados na Free Zone (carros, principalmente) é bastante ilustrativo: eu esperava algo mais romântico, como camelos, por exemplo.

No entanto, as surpresas que a fita traz confirmam a força do diretor (que também assina o roteiro) como contador de histórias. Por meio de uma trama envolvente que tem seu ápice na crônica da vida de um oásis, mostra que o que realmente faz um país, um vilarejo ou uma zona de livre comércio são as expectativas e as ambições de cada pessoa, desde que sejam capazes de superar crenças e enterrar legados. Encontrar (ou não) ‘O Americano’ pode, mais do que alterar a compreensão de conceitos como pátria e povo, levá-lo a novas fugas — ou a jamais sair do mesmo lugar.

Nota do Crítico
Ótimo