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Crítica

Gladiador 2 abraça o fantástico com Denzel brilhante e Ridley Scott sem freios

Paul Mescal assume o lugar de Russell Crowe para enfrentar Roma e o Coliseu

14.11.2024, às 10H44.

Desde o lançamento de Gladiador, nas últimas duas décadas, Ridley Scott lançou um filme atrás do outro e chegou a ter duas produções lançadas no mesmo ano. Uma delas foi Todo Dinheiro do Mundo, onde foi obrigado a substituir Kevin Spacey por Christopher Plummer quase um mês antes da estreia - e fez tudo isso em pouco mais de uma semana. Mesmo com tantos feitos neste contexto, ainda impressiona quando ele afirma ter feito um filme na escala de Gladiador 2, em apenas 51 dias (sem contar a paralisação pela greve dos roteiristas e atores). Durante a sessão, foi impossível não lembrar de Aaron Burr, em Hamilton, quando ele questiona o trabalho de Alexander escrever como se estivesse ficando sem tempo. Aos 86 anos, Ridley Scott assumiu de vez esse pensamento.

E o que poderia ser um caminho fácil, ao apenas dar continuidade à história do general que desafiou o imperador, Scott cria uma nova dinâmica, muito mais próxima do seu cinema atual, do que a mensagem estóica de Maximus (Russell Crowe). O general que perdeu tudo, virou escravo e depois gladiador; homem que aceitou de vez a missão passada por Marcus Aurelius (Richard Harris) de derrubar aquela Roma pervertida - representada por Commodus (Joaquin Phoenix) -, para entregá-la à uma nova República, comandada pelo Senado, mesmo que isso lhe custe a vida. Com Gladiador 2, Ridley Scott volta aos comentários sarcásticos sobre corporações e impérios - como visto em Casa Gucci, O Último Duelo e Napoleão. Tudo isso para mostrar o embate entre os conceitos de poder e ideal, vingança e dever e lealdade e rebeldia de seus novos personagens inseridos na tragédia desta Nova Roma.

Ao contrário de simplesmente repetir os arquétipos do primeiro filme, Scott divide em Lucius (Paul Mescal) e Acacius (Pedro Pascal) as virtudes e dilemas de Maximus. O primeiro é afetado pela implacabilidade do Império Romano, por quem nutre o rancor mostrado nos encontros com Lucilla (Connie Nielsen), a irmã do ex-imperador. Ao contrário do gladiador do passado, o herói de agora vê o império como algo podre, que sobrevive por seus atos de repressão e lendas como a loba que criou Rômulo e Remo. Por que ele deveria lutar por quem tirou tudo dele? Já Acacius, é um general e comandante, que se frustra ao lutar por uma sociedade que só pensa na conquista e não em quem a move. O conflito interno de Maximus se materializa, quando Scott coloca Lucius e Acacius em rota de colisão, assumindo o drama novelesco com Lucila no centro da história.

O drama palaciano e as intrigas não são nada sutis em Gladiador 2, e Ridley Scott não poderia escolher melhor o grande representante deste pilar da história: o Macrinus de Denzel Washington. Como num reflexo de seu próprio papel, Denzel vai engolindo o filme aos poucos, cena após cena, assim como o vilão articula com a política despreparada e mesquinha da Roma construída por Scott. Nunca confortável nas túnicas e panos que veste, Macrinus vive pelo agora e não pelo eco na eternidade, do lema de Maximus. É como ver o Alonzo, de Dia de Treinamento, vestindo a fantasia dourada romana, driblando e jogando como parte de um sistema político e sem escrúpulos.

Nada é sagrado nesse Império, nem mesmo o realismo histórico. Se o primeiro Gladiador era o retorno aos épicos e seus fãs procuravam nos fundamentos a reprodução de cada milímetro daquela Roma digital, a sequência traz o diretor abraçado ao fantástico, ao colorido e ao exagero para dar vida à uma sociedade em ebulição. Os dois novos imperadores, Geta e Caracalla (os ótimos Joseph Quinn e Fred Hechinger) são a hipérbole da careta que Joaquin Phoenix como Commodus. O símbolo com o polegar ganha uma interpretação muito mais exagerada e teatral na mão de Quinn. As lutas no Coliseu deixaram de ser saias e espadas, e geraram embates com rinocerontes, tubarões numa guerra campal. É fantástico ver que Gladiador 2 sempre procura extrapolar as situações do primeiro, quando poderia simplesmente ter sido uma cópia ou um soft reboot.

Quando Scott se aproxima dessa nostalgia barata, Gladiador 2 falha. A relação de Lucius e a esposa - que ao contrário da mulher de Maximus, não morre como dona de casa esperando o marido voltar da guerra - não tem a força necessária para o drama que vai levar Paul Mescal a lutar no Coliseu. Essa força deveria vir da relação dele com Lucilla, mas - por conta do texto fraco - exige demais de uma Connie Nielsen que não parece confortável no papel. Ambas as mulheres da vida de Lucius são usadas com o mesmo artifício na história, o que prejudica inclusive as tomadas de decisões dele, tanto com o Império, quanto com o Acacius, de Pedro Pascal.

Ao final de Gladiador 2, fica difícil saber se os fãs do original realmente vão gostar dessa nova investida de Ridley Scott na Roma Antiga. Tudo que eles mais amaram por lá, a mensagem edificante de Maximus, a honra, a sobriedade, são mencionadas, mas não são o maior interesse do diretor. O cinema de Scott não é mais aquele. O diretor anda longe do lado cisudo de Falcão Negro em Perigo, Cruzada ou Robin Hood. Gladiador 2 é pop - tem crossfit! -, é debochado, crítico, fantástico e acelerado. É um filme que não tem tempo a perder com livros de história, nostalgia ou promessas de ecoar pela eternidade. Essa batalha Scott já conquistou, e assim como seus gladiadores, ele agora desfruta da liberdade que tem.

Nota do Crítico
Ótimo