Sucesso inesperado de 2018, Entre Facas e Segredos conquistou aclamação ao virar tropos de whodunit do avesso e extrair algumas das melhores atuações das carreiras de seu numeroso elenco. Em Glass Onion: Um Mistério Knives Out, Rian Johnson pode até não manter a sensação de frescor da aventura original de Benoit Blanc, mas, graças a performances incríveis de seus atores e reviravoltas bem alocadas, o diretor e roteirista entrega uma sequência divertida e digna de atenção.
Assim como no primeiro filme, o principal atrativo de Glass Onion está em seu elenco e em como esses atores, cujas carreiras sempre pareceram seguir caminhos diferentes, funcionariam em conjunto. Liderados por Daniel Craig, que mais uma vez se transforma no papel de Blanc, Kathryn Hahn, Leslie Odom Jr., Janelle Monáe, Dave Bautista e Edward Norton fazem um trabalho impecável, com Kate Hudson inclusive entregando sua melhor atuação desde Quase Famosos, lançado há mais de duas décadas. Mesmo Jessica Henwick e Madelyn Cline, que têm papéis mais discretos que seus colegas, fazem um ótimo trabalho ao servirem como representantes do público no meio de tantos personagens odiosos, que incluem cientistas antiéticos, sociopatas bilionários e streamers reacionários.
Mais do que o mistério central do filme, os personagens – e a forma como Johnson os escreve – acabam sendo a parte mais atrativa de Glass Onion. A cada cena que passa, o espectador acumula mais e mais raiva de cada um dos Disruptores (nome dado ao grupo pelo personagem de Norton), de modo que é difícil chegar ao terceiro ato sem querer que todos eles acabem atrás das grades.
Seguindo a linha que apresentou no filme original, Johnson usa os personagens de Glass Onion para atacar as elites econômica e intelectual dos EUA e a forma como elas trabalham pela manutenção do status quo. Brincando com a arrogância e a falta de escrúpulos que moldam relações no mundo capitalista, o cineasta pinta um retrato nada elogioso da sociedade estadunidense e da forma como ela abandona qualquer convicção diante da possibilidade de lucro. Por mais que protagonizem alguns momentos caricatos, os “vilões” do novo longa são terrivelmente realistas e é fácil imaginar alguns diálogos sendo proferidos de forma séria por personalidades como Elon Musk e Joe Rogan.
A única grande fraqueza do roteiro está no mistério central. Ao contrário do que fez em Entre Facas…, Johnson guarda a identidade da vítima da vez até o segundo ato de Glass Onion. A revelação do assassinado surpreende, mas se torna bem menos impressionante quando Blanc inevitavelmente descobre o culpado e seus motivos. Através do detetive, o próprio cineasta admite a obviedade da revelação com um diálogo que soa bem mais como uma autocrítica do que com a reconstrução de fatos tradicional em whodunits.
Embora se perca em um ou outro ponto do roteiro, Johnson compensa esse deslize com uma direção afiada. Mais dinâmico e ágil que Entre Facas…, Glass Onion mantém o espectador na ponta da cadeira graças a seus cortes bem colocados e à forma como cada suspeito é enquadrado do começo ao final do filme. Há na sequência um imediatismo ainda maior que o presente no longa original, especialmente em sua segunda metade, quando Blanc passa a dividir o protagonismo com outro personagem.
Menos surpreendente, mas tão divertido quanto seu antecessor, Glass Onion segura a atenção do público com suas atuações incríveis e tem potencial para satisfazer até o mais exigente dos fãs de mistérios policiais lúdicos como este.