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Crítica

Guardiões da Galáxia vol. 3 é ode às famílias que escolhemos

James Gunn encerra a trilogia do MCU com plena liberdade de errar, acertar, exagerar e mexer com o fã

03.05.2023, às 19H10.
Atualizada em 03.05.2023, ÀS 19H51

Esta história era sua o tempo todo, você só não sabia”, explica Lylla (Linda Cardellini) a Rocket em uma das várias cenas tocantes de Guardiões da Galáxia vol. 3. O guaxinim, como já se sabe, é usado no MCU há quase 10 anos mais como um alívio cômico do que como um personagem dramático de fato, mas a afirmação, claramente vinda de um lugar autoconsciente de James Gunn, reflete o quanto sua história é central para tudo o que os Guardiões viveram de 2014 até aqui. Usando o personagem de Bradley Cooper como o centro emocional do terceiro filme da franquia, o diretor e roteirista encerra sua trilogia com uma história feita sob medida para arrancar lágrimas — de felicidade e tristeza — de seu público.

Decidido a usar seu tempo para comover, Gunn toma alguns atalhos que, mesmo que não afetem o andar da trama principal, causam algum incômodo por sua pressa e pelas conveniências excessivas de roteiro. Tramas inteiras são apresentadas e abandonadas antes da marca dos 10 minutos, personagens vendidos como importantes são deixados de lado por quase todo o longa e qualquer complicação que possa atrasar a ida dos personagens de um ponto A a um ponto B é simplesmente ignorada pelo cineasta.

As principais vítimas desse descompromisso aparente são Peter Quill (Chris Pratt) e Adam Warlock (Will Poulter). O Senhor das Estrelas começa o filme tendo seu desgaste mental e emocional exibido sem muitos pudores por Gunn, mas basta a chegada do experimento dos Soberanos — saído diretamente do casulo mostrado no fim do segundo filme — para Quill chacoalhar a poeira e voltar à sua persona falastrona. O terráqueo, no entanto, ainda é útil para a história, diferentemente de Warlock, cuja aparição no vol. 3 parece apenas um capricho de um cineasta que não queria se despedir do MCU sem usar um de seus personagens favoritos da Casa das Ideias.

Ainda que a volta de Gunn — e de boa parte do elenco — ao MCU seja improvável no futuro, o vol. 3 joga seguro no fim da trilogia. Por mais que não se esperasse algo épico nas proporções de Vingadores: Ultimato, Guardiões da Galáxia sempre foi a subfranquia menos previsível do Marvel Studios e seu fim pouco surpreendente pode decepcionar quem entrou no cinema buscando mais ousadia, em termos de desdobramentos ou destinos de jornadas.

Felizmente, ousadia é o que não falta no restante do vol. 3. Exibicionista do jeito que é, Gunn decidiu brincar com os limites da classificação indicativa PG-13 (que limita o uso de sangue e palavrões) e se despede do MCU entregando a produção mais James Gunn que a Disney estava disposta a lançar. Mais do que soltar o primeiro palavrão da franquia do Marvel Studios, o cineasta ainda enche a tela com desmembramentos, corpos queimados, sequências de ação hiperestilizadas e um grau absurdo de violência, que nos faz questionar se realmente estamos assistindo a um filme para o público infanto-juvenil.

Mesmo que se esbalde na extravagância, Gunn nunca perde de vista o coração de Guardiões da Galáxia: a dinâmica entre os personagens principais. Seja em diálogos mais expositivos ou pequenas referências — como Rocket ter um apelido carinhoso para um membro inesperado do grupo —, o cineasta reforça o tempo todo o quanto esses desajustados se amam e se complementam, seja no campo de batalha ou na administração de Luganenhum.

Tão encantadoras quanto eram em 2014, as relações entre os Guardiões são essenciais para entender o apelo emocional do vol. 3. É graças a essas dinâmicas baseadas em falhas de caráter que o espectador se sente parte dessa família desajustada. Ao expor picuinhas e frescuras entre os mercenários, Gunn facilita uma conexão profunda com cada um de seus membros.

A conexão se estende ao público, na forma como Gunn apela para o emocional ou para o pop, na intenção de estreitar a relação com o espectador ou inspirar-lhe familiaridade. Por mais que o uso de hits em suas trilhas já não seja mais novidade, fica claro que o diretor ainda sabe onde e como usar cada canção que conhece para extrair sustos, risadas e lágrimas. Seja com a versão acústica de “Creep”, do Radiohead, ou “Since You’ve Been Gone”, do Rainbow, o cineasta faz o sentimento transbordar da tela, transformando o vol. 3 em uma experiência envolvente e pessoal, algo que faz uma falta tremenda nos filmes mais recentes do MCU.

Visualmente, Guardiões da Galáxia vol. 3 é também o filme melhor acabado do Marvel Studios desde Ultimato. Os cenários espaciais são de longe os mais bonitos que o estúdio já lançou até agora e, por mais que saibamos que tudo aquilo é, na realidade, uma grande sala verde, é difícil tirar os olhos das impressionantes nebulosas e constelações entregues pelo departamento de efeitos visuais do longa.

É nas cenas entre Rocket, Lylla, Dentes (Asim Chaudhry) e Chão (Mikaela Hoover) que o trabalho dos artistas digitais é melhor admirado. Diferentemente dos seres quase sem alma do remake de O Rei Leão, os animais criados para o vol. 3 são expressivos e, mesmo com todas as alterações grotescas feitas pelo Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), mantêm uma fofura irresistível, especialmente para os chamados “pais de pet”.

Grande vilão do filme, o Alto Evolucionário é a figura imponente que faltava à trilogia dos Guardiões. Mais ameaçador que Ronan (Lee Pace) e menos caricato que Ego (Kurt Russell, o cientista megalomaníaco é amedrontador e a casualidade como trata torturas e genocídios o torna o antagonista mais atual que a Casa das Ideias levou às telonas até o momento.

Pronto para se despedir, o restante do elenco do vol. 3 parece compartilhar da experiência emocional coletiva nas suas atuações. De Chris Pratt a Vin Diesel, praticamente todos os atores protagonistas dominam determinadas cenas com uma emoção genuína de luto e despedida, sentimentos que transbordam desse capítulo final de Guardiões da Galáxia até o final dos créditos.

James Gunn encerra sua jornada na Marvel com o estilo e a emoção que suas idiossincrasias permitem, numa verdadeira volta por cima discursiva depois da demissão ocorrida em 2018. Com a Disney soltando cada vez mais remakes e continuações impessoais a toque de caixa, não é nenhum exagero dizer que o cineasta fará falta na vida dos fãs do MCU.

Nota do Crítico
Ótimo