Deadpool não consegue aguentar cinco minutos de exposição no seu filme sem fazer alguma piada sobre ela. Já Guy Ritchie a saboreia. Em Guerra sem Regras (2024), o diretor e roteirista está de volta aos seus filmes verbais, aqueles que almejam unificar a identidade britânica e combinam sotaque cockney, fleuma aristocrática e o típico jeito inglês de não se espantar com nada. No filme, os personagens estão contra o relógio - precisam impedir que um barco na costa africana municie os submarinos alemães na Segunda Guerra - mas é com imensa paciência que eles gastam o idioma para estender explicações de roteiro entre uma baforada e outra de charuto.
É essa crença no verbo, no charme inglês e num supostamente envolvente controle de ritmo e tom que permite que Ritchie faça aqui uma versão de Bastardos Inglórios (2009) sem medo de ser acusado de plágio. As similaridades são evidentes; um assobio de western spaghetti toca nos créditos iniciais instigando a comparação, e a trama já abre com um monólogo de um oficial nazista como aquele de Christoph Waltz no começo do filme de Quentin Tarantino. Oficialmente, Ritchie se justifica pelo não-ficcional: seu filme usa os arquivos confidenciais de Winston Churchill abertos em 2016, que comprovam a existência de um grupo de “bastardos” que de fato atuaram sob comando do primeiro-ministro clandestinamente.
Churchill surge no filme na figura de Rory Kinnear, irreconhecível debaixo de uma maquiagem que faz do político inglês um Vito Corleone de cartola. A maquiagem pesada é crucial para lhe dar corpo, como se Churchill fosse uma epítome de homem. Obviamente Guerra sem Regras não se furtará a dar ao primeiro-ministro alguns minutos para que ele saboreie as palavras no rádio em um dos seus famosos discursos no esforço de guerra. É legítimo especular que Ritchie está fazendo este filme para poder dizer que criou um Churchill para si, depois de uma carreira construída sobre personagens que adoram escutar a si mesmos.
Nesse contexto, qual é o papel que cabe aos protagonistas da história, o bando de brutos bem vestidos liderado pelo personagem de Henry Cavill? Não é muito mais do que o papel funcional de tocar a exposição adiante - certamente uma decepção se o público espera a carniceria que o título do filme promete. Em matéria de schadenfreude contra os nazistas, certamente Bastardos Inglórios foi mais vigoroso; o vigor do revisionismo histórico de Tarantino é toda a razão de existir daquele filme. Aqui, Ritchie coloca seus bastardos para abater nazis como alvos num estande de tiro, uma tarefa que Cavill e Cia. literalmente executam caminhando. A prioridade é manter a fleuma.
Esse não deixa de ser um movimento curioso, ainda que inócuo. Ritchie está se esforçando bastante para criar um ideal de masculinidade em torno desses homens marrentos, máquinas de matar escolhidas num inequívoco fenótipo do branco, alto e bigodudo, mas o que eles fazem por merecer… não é muito. Como o emblema do “inglês alfa” de Ritchie é a desafetação, isso transpira em Guerra sem Regras como um grande desinteresse pela ação, pelo fazer. No fim, talvez seu filme fale menos sobre ideais de masculinidade e revele mais sobre os privilégios que esse recorte implica.
De resto, Guerra sem Regras chega para somar aos demais filmes de ação que são feitos na esperança de desfazer a noção, consagrada no cinema dos EUA, de que o papel dos ingleses na Segunda Guerra foi de gabinete (quando muito, se romantizam os pilotos da RAF ou as sombras da espionagem). O gosto de Ritchie pela pose não ajuda muito: o pau lá torando e o inglês continua com seu charuto e seu monólogo.