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Filmes

Crítica

Michael Myers e Laurie Strode voltam aos trilhos no inesperado Halloween Ends

Em encerramento impactante por definição, David Gordon Green alia descaso com sobriedade

11.10.2022, às 19H00.
Atualizada em 14.10.2022, ÀS 09H58

Foram altos e baixos. A franquia Halloween, que começou cimentando o gênero slasher em 1978, passou por inúmeras sequências, remakes e reboots até hoje, em produções que variam amplamente em qualidade. Seu mais recente ressurgimento, a trilogia de David Gordon Green, atesta isso; vai de um começo brilhante em Halloween (2018) para uma queda abrupta em Halloween Kills (2021). Para encerrar este retorno de Michael Myers às telonas, Halloween Ends coloca a série de filmes de volta aos trilhos - sem deixar de fora os erros e acertos que marcaram seus dois capítulos antecessores. 

Se Kills abriu mão da reverência pela alma de Halloween - a relação entre Michael e Laurie Strode - Ends vem para trazer a final girl de Jamie Lee Curtis de volta ao centro, criando uma associação esperta entre enfraquecimento e poder nos dois protagonistas. É um movimento que Green faz, desta vez, com algum respeito. Depois de deixar Laurie se recuperando enquanto Haddonfield saía à luta, Ends começa em um salto temporal para nos levar a uma Laurie forte, enquanto Michael está sumido, e Haddonfield vive dias de paz. A mudança soa brusca, principalmente após dois filmes da protagonista traumatizada. Mas a dinâmica de equilíbrio não só funciona como é o maior acerto de Halloween Ends, e é um que carrega o peso de antecipação pelo confronto de Laurie e Michael até os últimos minutos. 

Inclusive, Ends funciona exatamente por ser o inverso de Kills. O desespero do segundo capítulo da franquia, que se perdeu ao focar no mal de pessoas comuns, agora aparece ao contrário, na tranquilidade do recomeço e no foco nas Strodes. A tese é a mesma - Gordon Green nunca abriu mão do discurso da responsabilidade humana e social pelo surgimento do mal - e até por isso Ends prova que Kills não precisava ter acontecido. A essência da trilogia, de analisar o descaso com as vítimas e a valorização dos psicopatas, segue bem vivo aqui, mas desta vez lapidado, sem enrolações ou desvios desnecessários. 

E por mais que a introdução de um novo e importante personagem, Corey Cunningham, pareça esquisito para o terceiro filme de uma trilogia, é possível ver que o caminho de Green sempre foi esse. Corey é a principal ferramenta que a franquia ressurgida tem para mostrar sua tese. E o mais legal deste novo injustiçado de Haddonfield é o quão inesperado é o seu caminho, e quanto sua adição torna as ações de Laurie e Allyson imprevisíveis. Além disso, o personagem de Rohan Campbell rende ótimas homenagens, acenos e divertimentos - tanto do ator quanto da câmera que sabe aproveitar sua figura. 

Corey é uma surpresa narrativa que faz com que Halloween Ends tome o seu tempo estabelecendo o seu tabuleiro, sem nenhuma pressa para chegar ao fim, e isso é um movimento um tanto atrevido para um filme que tem tanta coisa para fazer. Enquanto isso causa certa flutuação no ritmo e no crescimento de clímax, a atmosfera de incerteza acaba contribuindo para o suspense de Ends. Aqui, Green nos deixa na beira da cadeira pela confusão com o que está por vir. Isto, aliás, é um presente para quem evitou trailers e teasers até aqui - Halloween Ends pode ter tido muitas cenas reveladas, mas nada de sua trama central está nas prévias divulgadas até a estreia. 

É interessante também como Ends equilibra os principais elementos de seus antecessores. Ao mesmo tempo que retoma o amor pelo original, com sequências que lembram 1978 e homenagens à obra de John Carpenter, o filme também sabe abrir mão do passado, e bagunçar quando é preciso. A aliança entre respeito e caos cria um clima divertido que até conversa com a expectativa do fã. São diversas frases deste terceiro filme que falam pelo público -  de “é halloween, tudo pode acontecer” até “você sempre torceu pelo retorno de Michael" -, pequenos acenos que traduzem o equilíbrio de forças da franquia, e vê-la encontrando seu espaço é um alívio. 

E enquanto se poderia torcer por grandiosidade no desfecho da nova franquia - por mais inconstante que ela tenha sido até aqui - Halloween Ends se afasta disso mostrando até certo esgotamento com seu próprio universo, e é um sentimento que chega com energia de justiça. Foram tantas mortes, retornos, teorias e gritos que a trilogia de Green faz bem em encerrar de modo contido, sóbrio, sabendo que seu desfecho seria impactante por definição. 

Jamie Lee Curtis avisou e avisou durante a divulgação de Ends nos últimos meses: é algo que ninguém pode prever. E enquanto isso pode levar a qualquer lado (e realmente, em alguns momentos é possível se incomodar com o aleatório rumo de Ends), sua imprevisibilidade funciona muito bem. No fim das contas, 2018 foi o renascimento da franquia em forma de homenagem, Kills foi seu desvio e Ends é agora o primeiro filme do novo Halloween que realmente se sustenta sozinho. Pode ser instável, mas tem seu começo, seu meio, seu fim - e é isso que redime a trilogia de Gordon Green e a eleva a algo autoral. Com Ends, o novo Halloween enfim clama um espaço para chamar de seu.

Nota do Crítico
Ótimo