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Happy End | Crítica

Michael Haneke dilui suas provocações em drama burguês sarcástico

18.10.2017, às 16H07.
Atualizada em 18.10.2017, ÀS 18H01

Michael Haneke amoleceu em seu novo filme, Happy End, na medida do que é possível para o cineasta austríaco amolecer sem sair muito do seu padrão de misantropia. O longa assume temas e estrutura dos dramas burgueses da França, na trama de uma família industrialista em crise que precisa lidar, ao mesmo tempo, com a chegada inesperada de uma criança e com os instintos suicidas do seu cansado patriarca.

A citada estrutura é a divisão em núcleos familiares que se cruzam: de um lado a família de Thomas (Mathieu Kassovitz), envolvida em adultério e orfandade, e do outro a de sua irmã, Anne (Isabelle Huppert), que toca os negócios do pai Georges (Jean-Louis Trintignant) e insiste em criar seu filho problemático para ser seu herdeiro. Haneke cola essas subtramas com comentários desesperançosos sobre redes sociais, alienação, privilégio branco e males de espírito transmitidos de geração em geração.

Ao contrário dos seus filmes mais conhecidos, porém, como Funny Games, Caché e Amor, cujo impulso criativo era acima de tudo pautado pelo sadismo, desta vez Haneke escolhe em Happy End (como fica claro já no título) o caminho mais fácil do sarcasmo. É como se a própria decisão de fazer um drama burguês, e seguir mininamente as regras desse gênero, já implicasse uma ironia, da qual Haneke não se desvincula até o final do filme. Na sua mão, o humor negro não deixa de ser uma coisa prazerosa de ver, especialmente para o espectador mais sintonizado com a visão de mundo de Haneke, mas ao mesmo tempo o efeito desse humor é mais curto e imediato.

A forma como Haneke filma aqui, particularmente, dilui o impacto do seu estilo provocador. Happy End não é exatamente um filme acadêmico, mas o cineasta segue a gramática dos dramas tradicionais, então a organização dos planos sempre centraliza e normaliza a ação, e a distância da câmera para os personagens também é previsível na aproximação (como a seriedade do momento confessional entre o velho e a criança, em que o close-up se torna mais frontal e íntimo).

Isso vai contra o forte de Haneke, que é subverter a lógica do olhar do espectador na forma como ele descentralizava a ação no quadro e a distanciava de nós (como em Caché, onde muita coisa de fato acontecia "escondido" do olhar, nas bordas do enquadramento, no meio da multidão ou no extracampo) ou então a tornava frontal e inescapável no vínculo de cumplicidade que estabelecia com o espectador (as quebras de quarta parede em Funny Games). No caso de Happy End, o máximo de ousadia formal (à parte a graça de emular o formato vertical dos celulares) é encenar o acidente na fábrica sem direcionar nosso olhar, ou colocar o velho no carro pelo extracampo, sem que o vejamos de fato.

É como se Haneke tivesse se desinteressado por esses mistérios do olhar, e nesse sentido seu filme realmente está em sintonia com a forma como smartphones e a onipresença de câmeras na nossa vida banalizaram não apenas as imagens, mas também os registros, os sentimentos. Com frequência, como na cena da declaração de amor pelo Facebook, vemos toda a ação primeiro e só depois Haneke encerra a cena com os close-ups dos personagens, como se invalidasse a reação desses personagens a priori, porque no momento em que vemos essas reações, nós já formamos um julgamento da ação que acompanhamos.

Fica latente em Happy End que a banalidade do que se filma aborrece Haneke e ao mesmo tempo o diverte, como bom misantropo. Essa constatação não aumenta o alcance nem a perenidade do filme, porém, e o resultado consegue tornar desinteressante até a participação sempre magnética de Huppert (cuja subtrama com Toby Jones provavelmente vai decepcionar quem esperava um reencontro explosivo de Haneke com sua estrela de A Professora de Piano).

Quanto ao exercício formal sobre smartphones e a banalidade da imagem, prefira ficar mesmo com o bom e velho Jean-Luc Godard e seu Adeus à Linguagem.

Nota do Crítico
Regular