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Crítica

Casamento Grego | Crítica

Com boas tiradas, o romance fica na superficialidade

08.11.2002, às 00H00.
Atualizada em 03.11.2016, ÀS 19H00

Custou 5 milhões de dólares e já arrecadou mais de 180 milhões. Estreou no dia 19 de Abril em 108 salas dos Estados Unidos e, aos poucos, pelo boca-a-boca, chegou aos primeiros postos de bilheteria. No começo de outubro, no ápice da popularidade, com mais de 2.000 salas de exibição, superou o recorde anterior, pertencente a A bruxa de Blair (The Blair witch project, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999). Oficialmente, Casamento grego (My big fat greek wedding, 2002) é o filme independente de maior sucesso da história de Hollywood.

Um resultado impressionante, de fato. Mas cuidado. Unanimidades, números oficiais e, principalmente, conceitos de marketing costumam esconder certos detalhes. De independente, o filme do diretor Joel Zwick e da carismática atriz Nia Vardalos tem apenas o orçamento. Principalmente, se comparado com a efetiva revolução promovida por Myrick e Sánchez, desde a filmagem digital despojada até a divulgação pela internet. Na verdade, Casamento grego, produzido pela Playtone Co. de Tom Hanks, representa a utilização bem-sucedida de elementos do puro showbiz.

Bilheteria de teatro

Canadense, filha de gregos, Nia iniciou-se na comédia em 1986, quando trabalhava na bilheteria de uma companhia de teatro de Toronto. Um dia, uma das atrizes principais passou mal antes de uma apresentação, e Nia pediu para substituí-la. A partir daí, investiu na profissão, mudou-se para Chicago e, em 1993, casou-se com o ator norte-americano Ian Gomez, mesmo com a renitência de sua família tradicionalista.

Com o marido, coadjuvou em séries como The Drew Carey show e em filmes como Men seeking women (de Jim Milio, 1997) e O príncipe encantado (Meet prince charming, de Brett Parker, 1999). Sem sucesso na TV ou no cinema, Nia decidiu voltar ao teatro, com um monólogo autobiográfico, exatamente My big fat greek wedding. Durante uma apresentação em 1997, no Acme Comedy Theatre de Los Angeles, Rita Wilson, descendente de gregos, esposa de Hanks, estava na platéia e decidiu investir numa adaptação ao cinema.

Seria o primeiro passo para o sucesso. Até ali, Nia Vardalos era confundida como italiana ou latina - e já havia escutado os piores conselhos. Um agente sugeriu que trocasse seu sobrenome para Vardalez e se transformasse em porto-riquenha. Outro simplesmente declarou que ela não era bonita suficiente para uma estrela, nem gorda o bastante para uma atriz caricatural.

Humor trivial

Mesmo com histórias tão férteis, Nia enfatizou apenas o romance no roteiro do filme. Toula Portokalos, alter ego da atriz, já se aproxima dos trinta de idade, mas permanece escondida atrás do balcão do restaurante da família, em Chicago. Toula envergonha-se, também, diante dos modos expansivos de seus inúmeros irmãos, tios e primos. Todavia, quando conhece Ian Miller (John Corbett), um professor de literatura, filho único de uma família esnobe, a moça decide se transformar. Troca os óculos por lentes-de-contato, muda o penteado e investe na maquiagem. Por fim, apenas dois detalhes impedem o romance: Miller não é grego e não come carne, para desgosto de todo o clã Portokalos.

Aqui entram os tais "elementos do puro showbiz". De apelo familiar, despretensiosa, mas também previsível, a comédia romântica investe em clichês batidos. Sempre que Toula entre em um momento de introspecção, ou discute com Miller o futuro do namoro, a divertida música grega é substituída por uma canção melosa, no melhor estilo Disney. Quando a jovem visita os pais do pretendente, surge uma piada a respeito do sobrenome, dos estereótipos gregos. Ou, então, quando Miller conhece o irmão de Toula, cria-se a situação clássica: aprende palavrões em grego, mas acha que está pronunciando tratamentos educados.

Por outro lado, a ambientação funciona. E algumas personagens mais elaboradas fazem valer o pacote: a avó neurótica de Toula vive fantasiando um ataque dos turcos; seu pai (Michael Constantine, o melhor do filme) acredita que todas as palavras têm origem no grego; e sua mãe, bonachona, comanda a família, mesmo que disfarce um pouco na frente do marido.

São tiradas originais, mas que não salvam Casamento grego. O problema não chega a ser o retrato caricatural de gregos comilões e barulhentos (numa comédia, a postura é aceitável), mas a superficialidade do romance e da falta de apelo do canastrão Corbett - o casal sequer troca duas palavras e já sai jantando, casando. Experiente em seriados-família como Três é demais e Step by step, o diretor Zwick dificilmente supera o esquematismo típico de uma sitcom. Aliás, graças ao sucesso, o filme ganhará uma adaptação televisiva pela CBS. Nada mais compreensível.

Desabafo

Entretanto, fica a dúvida. Como um filme comum transforma-se em tanto sucesso? A resposta pode estar fora das telas. Seria possível enumerar várias comédias românticas mais ricas (no sentido da qualidade) e originais, fora de Hollywood. Um exemplo sueco? Jalla! Jalla! (de Josef Fares, 2000). Um exemplo da ex-Iugoslávia? Gata preta, gato branco (Crna macka, beli macor, de Emir Kusturica, 1998). Um exemplo da Índia? Casamento à indiana (Monsoon wedding, de Mira Nair, 2001). Ou, quem sabe, um exemplo holandês? Zus & Zo (de Paula van der Oest, 2001). Destes, apenas os consagrados Kusturica e Mira Nair tiveram tímido lançamento nos Estados Unidos.

Casamento grego faz questão de ressaltar as facilidades da vida na terra do Tio Sam. "Minha vila passou por muitas guerras... escolhemos aqui para você poder viver", escuta Toula de sua mãe. Mas, sinceramente, se os norte-americanos não fechassem a porta aos estrangeiros de maneira tão incoerente, se não barrassem diretores de países suspeitos em aeroportos, talvez seu público pudesse conhecer melhor a vasta cultura que pulsa fora de seu território. E um filme mediano não se tornaria o acontecimento do ano.

Desculpe o desabafo. Nada contra Nia Vardalos. Mesmo assim, Casamento grego não deixa de ser bonitinho.

Nota do Crítico
Bom