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Logo nas primeiras cenas, quando John Creasy (Denzel Washington) está entrando no México, vemos que é um lugar feio, sujo, pobre, perigoso, cheio de prostitutas, drogas e bandidos. Chamas da vingança (Man on fire, 2004) está aí para comprovar que, segundo a visão ianque, estas são as características básicas dos subdesenvolvidos, que ficam ao sul do Rio Grande - e pode incluir aí toda a América Latina, afinal, a grande maioria deles não sabe mesmo apontar no mapa Caracas, Buenos Aires, ou Brasília.
O motivo que leva Creasy a tal fim de mundo é a vontade de rever um amigo, Rayburn (Christopher Walken), que como ele era agente de algum projeto secreto da CIA que cuidava de aniquilar qualquer um que não fosse favorável à política norte-americana. Por suas mãos escorreu tanto sangue que ele não consegue mais enxergar um motivo para continuar vivendo. Seu único companheiro fiel é o Jack Daniels (o whiskey). Quando Rayburn consegue para ele um serviço como guarda-costas, Creasy aceita. Em qualquer outra cidade, o trabalho seria simples - proteger Pita (Dakota Fanning), uma menina de 9 anos, super boazinha e estudiosa -, mas na Cidade do México do filme, onde aconteceram 24 seqüestros nos últimos 6 dias, é apenas uma questão de tempo até que a loirinha seja levada para algum cativeiro escuro e finalmente trocada por vários pacotes de dólares.
No primeiro ato, vemos a transformação do carrancudo Creasy num amigável ursinho de pelúcia da menina. O processo é bastante previsível, mas vale pelo talento dos dois atores. Denzel não tem culpa que o roteirista Brian Helgeland (Sobre meninos e lobos, Coração de cavaleiro) e o diretor Tony Scott (Top Gun, Jogo de espiões) optaram por movimentos óbvios, como na cena final. Ele é um empregado, e como tal deve obedecer quem está mandando o cheque no fim do mês. A diferença é que basta um close mais fechado no seu olhar para entender a angústia do personagem. E Dakota, que chamou a atenção de todos quando participou de I am Sam, se confirma como a mais promissora estrela mirim de Hollywood.
Já na segunda parte, é hora do sangue manchar a tela. Creasy fará tudo o que estiver ao seu alcance para punir cada uma das pessoas envolvidas no seqüestro da menina que lhe devolveu um motivo para viver. E aqui a performance de Denzel novamente eleva o baixo nível da história. O cinismo de seu personagem ao torturar os seqüestradores é de dar medo ou, em um caso específico, de arrancar risadas nervosas.
Cidade de Deus x Cidade do México
Posso estar errado, mas Chamas da vingança deve ser o primeiro filme hollywoodiano a copiar o brasileiro Cidade de Deus (de Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2003). Além de usar uma montagem rápida e moderna que segue o estilo publicitário, Tony Scott chamou dois atores que participaram do CDD (Gero Camilo e Charles Paraventi, respectivamente o Paraíba e o Tio Sam). As poucas partes em que o personagem de Gero aparece lembram bastante a favela carioca e há uma cena em especial que se parece muito com a tentativa de fuga de Zé Pequeno em um caminhão de gás.
Alguns podem estar curiosos sobre como eles se saíram falando espanhol. Bom, vale lembrar que esta é uma produção norte-americana, logo é quase totalmente falada em inglês. Até mesmo quando os mexicanos conversam entre si.
Tecnicamente, Chamas da vingança é bastante atraente. A fotografia ajuda a construir os humores de Creasy, a edição de som envolve o espectador (principalmente nas seqüências de maior violência) e o uso de quatro câmeras dão muito mais possibilidades na hora de montar o filme. É interessante o efeito de câmera lenta e avanço rápido, inclusive usando pulo de quadros, mas nada disso é novidade. Fazer um longa-metragem bom com um orçamento de 70 milhões de dólares e um ator de peso como Denzel Washington é apenas cumprir a obrigação. O que falta ao projeto é ousadia para ir além. A única demonstração real de audácia deles foi escrever "Agradecemos à Cidade do México, um lugar muito especial" depois de ficarem 146 minutos retratando o povo mexicano como corrupto, bandido e egoísta. Os únicos dois locais que não se renderam a esta ciranda de poder e dinheiro são Manzano (Giancarlo Giannini) e Mariana (Rachel Ticotin). O primeiro é um policial justo, mas que na verdade só está interessando em transar com a repórter, que por sua vez faz de tudo para conseguir uma grande matéria. Enquanto isso, cabe ao herói (ou anti-herói, como queiram) estadunidense fazer justiça com as próprias mãos.
Sou mais o nosso Cidade de Deus, afinal se é para falar da gente, que sejamos nós mesmos.