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Toda vez que uma produção estrangeira conquista crítica e público, a primeira idéia que vem às mentes dos executivos de Hollywood é fazer uma refilmagem. É uma forma de garantir a rentabilidade do filme, já que o produto já foi previamente testado no mercado. Ainda tem a vantagem de ter sido exibido num circuito alternativo, normalmente freqüentado por uma pequena parte dos espectadores. Essas refilmagens sempre vêm recheadas de astros e é adaptada para a realidade norte-americana, o que sempre tira o charme e a qualidade do produto original. Dança comigo? (Shall we dance, 2004), remake de um filme japonês homônimo, de 1996, não consegue escapar dessa regra, mas pelo menos serve como divertimento descompromissado.
A história do contador que, entediado com a vida, resolve ter aulas de dança escondido da família é perfeitamente aceitável na sociedade arcaica japonesa. O povo nipônico é tão introspectivo que acontece até de marido e esposa não demonstrarem intimidade publicamente. O argumento foi uma verdadeira quebra de tabu, já que o contador acaba dançando secretamente com a sua linda professora. A dança de salão é uma forma de expressão sensual através de um rígido treinamento. A metáfora com a sociedade japonesa chega a ser irônica. A dúvida era: como transportar esse pensamento para a realidade norte-americana sem perder o encanto? Audrey Wells foi a responsável por escrever a adaptação. Em vez de dar ênfase ao aspecto cultural, transformou o personagem principal em um advogado de Chicago, que está atravessando a crise da meia-idade e redescobre a alegria de viver com as aulas de dança. Comparado à idéia original, acaba sendo uma solução convencional, mas que funciona.
Na versão hollywoodiana o advogado John Clark considera sua vida quase perfeita. Ele ama sua bela mulher e construiu uma carreira de sucesso, criando dois filhos maravilhosos. Mas, ainda assim seu dia de trabalho é sempre aquela rotina maçante de ir e voltar do trabalho para casa e todos da família estão sempre ocupados demais para passarem algum tempo juntos. Sempre no caminho para casa, ele repara em uma mulher na janela de uma academia de dança. Como se fosse um espelho, ele encontra na fisionomia dela um retrato de seu estado. Até que uma noite, quando voltava do trabalho, decide descer do trem e fazer o inimaginável. Sem contar para ninguém, John, secretamente, começa a ter aulas de dança. A maioria das cenas e diálogos são os mesmos da produção anterior. A diferença fica na estereotipação dos personagens. As situações cômicas são mais exageradas, procurando o riso fácil.
Engana-se quem acha que o filme é mais uma comédia romântica centrada nos astros Richard Gere e Jennifer Lopez. Na verdade é uma história de renascimento emocional. No papel do advogado John Clark, o grisalho ator consegue desenvolver seu personagem. Acompanhamos sua transformação de um homem deprimido e vazio num ser humano feliz. É inspirador vê-lo renascer através da dança. Em Chicago, ele já tinha nos mostrado sua capacidade para dançar. Nesse novo filme é interessante assisti-lo praticando um estilo diferente da prática.
Jennifer Lopez, que interpreta a professora de dança Paulina, inicia o filme de forma enigmática. Sua interpretação contida com olhares e sussurros é a sua melhor performance desde Irresistível paixão (1998), do diretor Steven Soderbergh. Infelizmente sua atuação cai no lugar comum à medida que a trama vai se desenvolvendo. A partir daí, seu desempenho se resume a caras e bocas sensuais. Ainda não foi dessa vez que ela conseguiu recuperar a carreira, que está em baixa devido às péssimas escolhas cinematográficas e discos medíocres de música pop. Susan Sarandon faz o papel de Beverly, esposa de John Clark. Na produção japonesa esse personagem é bastante secundário. Na versão americana, sua exploração é maior por tratar-se de Sarandon. Essa escolha acaba sendo acertada, pois ajuda a dar credibilidade às intenções do personagem de Richard Gere.
O melhor do elenco, porém, são os coadjuvantes. Eles dão ritmo à história, fazendo com que o roteiro flua sem problemas. Stanley Tucci rouba todas as cenas em que aparece, no papel de Link, executivo que se disfarça de latino para dançar. Destaque também para Lisa Ann Walter, Bobby Cannavale, Omar Miller e Richard Jenkins.
A versão japonesa é muito mais filme que a norte-americana, mas isso não impede que o público tenha um bom programa para depois do almoço familiar de domingo. Vovó irá se divertir com a homenagem às estrelas dos antigos musicais da Metro com Fred Astaire e Cyd Charisse, e com a referência à música "Shall we dance", do clássico premiado O Rei e Eu. Mães irão curtir mais uma vez a cena batida de Uma linda mulher, em que o galã Richard Gere, de black-tie, presenteia sua amada com uma rosa. O público masculino também não foi esquecido. Quem não gosta de comédias recheadas de música vai poder apreciar as curvas mais que generosas de Jennifer Lopez. Todos esses aspectos, talvez acabem gerando curiosidade em assistir ao filme original. E qualquer produção que consiga isso, merece consideração.