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Desde que Otar Partiu | Crítica

Drama se dá na troca de olhares, no filme de estreia da diretora Julie Bertucelli

20.01.2005, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 04H00

Desde que Otar partiu
Depuis Qu’Otar Est Parti
França/Bélgica, 2003
Drama - 102 min.

Direção: Julie Bertucelli
Roteiro: Julie Bertucelli, Bernard Renucci

Elenco: Esther Gorintin, Nino Khomasuridze, Dinara Drukarova, Temur Kalandadze, Rusudan Bolqvadze, Sasha Sarishvili, Duta Skhirtladze, Abdellah Moundy, Mzia Eristavi.

A diretora Julie Bertucelli começou ao lado de grandes cineastas como Krzysztof Kieslowski e Bertrand Tavernier, dos quais foi assistente de direção no passado. Aparentemente, ela aprendeu muito bem seu ofício. Seu primeiro longa-metragem, Desde que Otar partiu (Depuis Qu’Otar est Parti, 2003) - co-produção belga-francesa - é uma aula de como se fazer um drama, sem precisar se apoiar nos surrados clichês do gênero.

De cara, a produção não precisa de trilha sonora com violinos ou ângulos dramáticos para pontuar emoções. Seu apoio emocional reside exclusivamente nas fantásticas atuações do trio de protagonistas, em especial na de Esther Gorintin, que cresce ao longo do filme, passando de idosa teimosa e inofensiva a grande condutora da trama. Preste atenção nos olhos da atriz de 90 anos na cena da roda gigante, quando ela fuma um cigarro que comprou na ausência da outras mulheres da família. Aquela tragada tem mais interpretação do que vários filmes inteiros protagonizados por essas loirinhas bestas de Hollywood.

O longa conta a história de três mulheres lutando para sobreviver na República da Geórgia pós-União Soviética: Eka (Gorintin), sua filha de meia-idade Marina (Nino Khomassouridze) e a neta Ada (Dinara Droukarova), estudante universitária compenetrada. As três vivem na capital Tbilisi, que passa por uma grande crise financeira e social. Os blecautes são freqüentes, a água termina abruptamente, as transições políticas parecem levar séculos e o povo tem que se virar como pode. No caso das três, com a parca renda obtida por Marina num mercado de pulgas e, eventualmente, com o dinheiro que seu irmão manda de Paris.

As três mulheres sofrem com a ausência do único homem da família. Médico formado, Otar só consegue emprego como pedreiro na França e liga com freqüência para a mãe, que o tem como filho preferido. Basta um toque do telefone para que a velhinha dispare pela casa à cata do aparelho. Tal predileção irrita Marina, que vive tendo pequenas discussões com a mãe. Essas rusgas, porém, são sempre apaziguadas pela jovem Ada, que trata ambas com reverência.

A dinâmica do relacionamento entre elas é obtida com enorme simplicidade pela diretora. É fantástico notar como não são necessários grandes diálogos ou explicações para perceber tudo isso. Bastam breves cenas cotidianas ou trocas de olhares.

Porém, é justamente esse cotidiano que é alterado quando chegam notícias de Paris. Otar não voltará para casa jamais e cabe a Marina e Ada o fardo de revelar a notícia à matriarca. No entanto, para não testar os limites da idosa, ambas optam por uma elaborada farsa: vão continuar a correspondência de Otar com a mãe como se nada tivesse acontecido, falsificando as cartas dele.

A solução mentirosa tem ecos de Adeus, Lênin, mas não compactua do bom-humor do filme alemão. A opção pela farsa aqui é dolorosa e prejudicial às duas gerações mais jovens da família. Além disso, as conseqüências de seus atos virão de maneira surpreendente, num desfecho comovente e inesperado, banhado pelo charme da Cidade Luz.

Nota do Crítico
Bom