Existe um desejo bem claro em Imperdoável de fazer um estudo de personagem em torno de uma ex-presidiária. Existe, também, uma vontade de analisar as vidas dos indivíduos impactados pelos crimes cometidos. Paralelamente, existe, ainda, um impulso de criticar os privilégios de uma mulher branca que faz parte do sistema, ainda que retratada como vítima. São tantos os anseios do novo filme da Netflix com Sandra Bullock que nenhum deles é levado à sua completa realização, deixando o gosto de um filme que poderia ter sido.
Não é nenhuma surpresa que a produção seja baseada em uma minissérie (também chamada Imperdoável, de 2009), porque o filme batalha com um ritmo esquisito, um que parece até ter fechamento de capítulos. A jornada de Ruth Slater, personagem de Bullock, tem suas etapas bem definidas - a saída da prisão, o estabelecimento de uma rotina, a jornada para encontrar sua irmã, e as consequências de uma reaproximação na sociedade, incluindo a família adotiva da parente. É quase como se uma minissérie estivesse se desenvolvendo em um tempo limitado, em um resumão, bem na nossa frente.
Assim como Imperdoável, a vida de Ruth Slater pós-prisão não é exatamente fluida. Taxada como “assassina de policial” pelos acontecimentos do passado, ela está determinada a encontrar a irmã com quem morava quando jovem e, sem aliados na sociedade, encontra empatia no novo morador de sua antiga residência, local dos brutais eventos que a levaram para penitenciária. Entre (claro) flashbacks embaçados que aos poucos reconstroem aqueles acontecimentos, Ruth tenta retornar a uma vida razoavelmente normal, apenas para entender que será para sempre, e simplesmente, uma ex-presidiária.
Em cada uma das histórias que Imperdoável quer contar existem elementos redentores. Sustentados pela performance hábil de Bullock, a solidão e o sufoco da ex-presidiária são inseridos em um cotidiano caótico, e a parte mais contida do filme faz um trabalho eficiente em transmitir os efeitos do confinamento. Na sua trama que mais serve ao dramalhão, pesada mais na reta final, Imperdoável também é eficiente na construção de tensão. No meio destas duas energias, no entanto, há um questionamento falho, que parte principalmente de Liz, a personagem de Viola Davis.
Esposa do advogado que quer ajudar Ruth a encontrar sua irmã, Liz vem para dizer com todas as letras o que o filme fracassa em apresentar como uma tese, dos privilégios da mulher branca na posição de Slater. E apesar de mais que válido, Imperdoável não parece sustentar o seu próprio discurso, principalmente por inseri-lo em um contexto que enfatiza e explora precisamente a batalha da condenada. Uma morna reviravolta final, ainda, vem para anular completamente toda a questão - que, no fim das contas, cai na gratuidade.
É uma pena, porque o resultado final de Imperdoável são alguns filmes bons. Contrastantes, sim, mas sustentados por uma equipe capaz, e envolto de boas intenções.