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Impulsividade | Crítica

Impulsividade

12.01.2006, às 00H00.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 12H06

Impulsividade
Thumbsucker
EUA, 2005
Drama - 96 min

Direção e roteiro: Mike Mills

Elenco: Lou Taylor Pucci, Tilda Swinton, Vincent DOnofrio, Vince Vaughn, Keanu Reeves, Benjamin Bratt, Kelli Garner, Chase Offerle, Ted Beckman, Arvin V. Entena, Tyler Gannon, Allen Go, Dakota Goldhor, Walter Kirn, Kit Koenig

Cena: personagem magro de moletom caminha em câmera lenta no meio de uma multidão como se estivesse sozinho; sente que não pertence àquele lugar, que não pertence a lugar algum, comoção anestésica reforçada pela bela canção melancólica de uma banda que toca na trilha e que pouca gente conhece.

A descrição acima cabe perfeitamente em qualquer filme independente feito nos EUA na última década e meia, a década de Sundance, festival que transformou losers e marginalizados em, se não heróis, ao menos protagonistas. Basta nomear. O personagem: o adolescente Justin Cobb, de dezessete anos. A multidão: o corredor do colégio. A trilha: canções especialmente compostas por Tim DeLaughter, do Polyphonic Spree. O filme: Impulsividade, ou melhor dizendo, já que o título original é inigualável, Thumbsucker, Chupa-dedão.

A história de formação de caráter, de passagem da adolescência à vida adulta, que não atende só a produções indies como a muitas narrativas modernas, é o motor do filme de estréia de Mike Mills, até então conhecido por dirigir vídeos musicais de Moby, Pulp e Air. Clipes são a especialidade de Mills, e o clichê câmera lenta/trilha sonora nasceu nesse meio. O caso é saber se o diretor tem algo a dizer além dos floreios de estilo. Como a base da história é o livro homônimo de Walter Kirn, ele encontra algo, sim, que vale a pena narrar.

A grande força por trás do texto de Kirn é o fato dele inserir a formação do caráter em um microcosmos muito bem definido: a sociedade materialista dos EUA. É nesse ambiente em que todos precisam de um vício para sobreviver - vício em remédios, vício em ilícitos, vício em causas nobres, vício em sucesso, vício em competição - que o frágil Justin (Lou Taylor Pucci) tenta encontrar o seu, mas um vício que a sociedade legitime. Porque ser viciado em chupar o dedo não é um vício digno, é uma anomalia, uma sem-vergonhice.

Até mesmo os vícios de seus pais são legítimos. Mike (Vincent DOnofrio) é adicto em sonhos interrompidos - fraturou o joelho, teve que largar a carreira juvenil esportiva, hoje é só uma sombra ressentida. Audrey (Tilda Swinton) tem sua coleção de sonhos irrealizáveis - sua ambição atual é virar enfermeira da clínica de reabilitação para onde foi encaminhado um astro da TV. Nenhum dos dois é julgado ou punido por isso. Tanto que fazem questão que o filho Justin não os chame de pai e mãe, mas de Mike e Audrey, como se isso adiasse a autocrítica, a chegada da maturidade, da velhice, desculpasse os vícios ao infinito, enfim, suspendesse a responsabilidade de rever a vida antes de morrer.

Justin pena para livrar-se de seu vício anormal. Essa coisa de chupar o dedo escondido precisa parar. A mania tem raízes evidentes em algum trauma psicológico, dizem. A ação, filosofa o dentista de Justin, Perry (Keanu Reeves), remete ao ato da amamentação. O seio materno, esse ninho quente que protege do mundo, seria a resposta às dificuldades que a vida impõe. Medo do fracasso? Medo de garotas? Nem Justin sabe direito a razão, mas o fato é que só cessará de chupar o dedo quando encontrar outro vício para substituí-lo. Impulsividade fala, basicamente, dessa substituição, e de como ela pode ou não preencher o espírito errante das pessoas.

Falando assim, parece uma aula profundíssima sobre a psique humana (e de certo modo é), mas o diretor Mills espertamente quebra a sisudez com humor. Não pode ser nada além de uma gozação a decisão de escalar Keanu Reeves para o papel do guru e Vince Vaughn (Penetras bons de bico) para o lugar do professor do colégio. A boa notícia é que os alívios cômicos não sabotam a parte séria da narrativa. Isso acontece, em especial, pelas atuações compenetradas da tríade de protagonistas.

DOnofrio (atualmente conhecido pela telessérie Law & Order) e Tilda Swinton (a Feiticeira Branca de Narnia) são sempre ótimos, mas o destaque mesmo é Lou Taylor Pucci. Como Mike Mills, o ator é estreante na prática (ele já havia feito uma ponta discreta em O tempo de cada um). É enorme a versatilidade de Pucci para viver ora um Justin chupador de dedão, inseguro, ora um Justin campeão, superior, novamente um Justin em dúvida, em seguida um Justin redimido. O plano que fecha o filme, novamente o chavão da câmera lenta/trilha sonora, não chega a incomodar, porque é Pucci quem está lá. Esta história de formação não seria a mesma sem ele.

Nota do Crítico
Bom