É com um sete anos de atraso que Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild) chega para lavar a alma dos afetados pelo furacão Katrina, em 2005, mas o longa de estreia de Benh Zeitlin - vencedor do Grande Prêmio do Júri em Sundance e do Camera d'Or em Cannes - tira o atraso com impacto, numa mistura de fábula dickensiana com drama apocalíptico, meio Pinóquio, meio A Estrada.
indomável sonhadora
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Em 2008, o premiado curta de Zeitlin Glory at Sea já tocava nos temas que seriam estendidos em Indomável Sonhadora: a rotina dos moradores dos pântanos da Louisiana transformada em desamparo depois da passagem do furacão que fez transbordarem as águas do Estado. Antes ainda, em 2005, Zeitlin fizera uma versão animada de Moby Dick, no seu curta-metragem de estreia Egg. Saber que o diretor novaiorquino (que visitou Nova Orleans pela primeira vez com a família, de férias, aos 13 anos) mantém uma relação de atração com os perigos do mar ajuda a entender o que Indomável Sonhadora tem de potente.
O longa, formado por um elenco só de locais e cuja direção é assinada pelo coletivo Court 13 - que Zeitlin criou em 2004 em Nova Orleans para mover a produção de cinema independente local -, se passa na "Banheira", uma ilha no meio de uma barragem que, após o Katrina, fica completamente submersa. Embora o local seja fictício, inspira-se numa ilha real, a Isle de Jean Charles, já na parte da Louisiana que se mistura com o Golfo do México, e que a cada dia perde um pouco mais de espaço para o mar. Em comum, a Isle de Jean Charles e a "Banheira" têm a teimosia dos seus habitantes, que insistem em permanecer em suas casas mesmo com a água na canela.
Wink (Dwight Henry) é um desses cabeças-duras, mas sua insistência tem também outros motivos; o velho está doente e em breve deixará orfã sua filha de seis anos, Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), que precisa aprender a sobreviver à deriva. Essa premissa clássica de drama geracional e de história de formação sempre exige um protagonista de presença, e Zeitlin (que ainda faz de Hushpuppy a narradora da história) não poderia achar alguém melhor que Quvenzhané Wallis. A menina é uma força da natureza. Quando vai para o close-up e seu cabelo selvagem preenche todo o enquadramento, não é como se bloqueasse a visão, mas como se a conquistasse para si.
Indomável Sonhadora anda o tempo todo sobre a linha fina que separa a exploração da pobreza (que o cinema brasileiro conhece bem) do encantamento com o imaculado. Na maior parte do tempo, a escolha pela fábula ajuda a pesar a balança para o exotismo "do bem". Quando transforma um animal de pintura rupestre - ícone do mundo do bom selvagem - em uma besta gigante de verdade, meio caricatural mas ainda assim aterrorizante, Zeitlin parece dizer que Indomável Sonhadora se passa não neste nosso mundo cheio de convenções, mas numa realidade folclórica aumentada que permite o exagero. Um lugar onde uma inundação ganha dimensões de dilúvio bíblico e onde é possível transformar os estereótipos em mitos.
Indomável Sonhadora | Cinemas e horários