Casamentos em ruína, relações amorosas nem sempre saudáveis, traições que acabam em tragédia. Elementos recorrentes dos filmes do britânico Adrian Lyne. Um primeiro contato com universo temático do diretor sugere uma mentalidade distorcida. Na verdade, Lyne mostra-se um especialista em polêmicas. Desde o cult 9 1/2 Semanas de Amor (Nine 1/2 Weeks, 1986) até Lolita (1997), a refilmagem nada sutil do clássico de 1962, de Stanley Kubrick (1928-1999), o currículo do diretor passa por escândalos como Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987) e Proposta Indecente (Indecent Proposal, 1993). E não foge à regra a nova produção de Lyne, Infidelidade (Unfaithful, 2002).
Fã assumido dos cineastas da Nouvelle Vague (leia sobre o movimento aqui), em especial de Claude Chabrol, Lyne faz de Infidelidade uma adaptação norte-americana de La Femme Infidèle, suspense dirigido pelo francês em 1969. Empresário do ramo da segurança, construtor de carros-fortes, Edward Sumner (Richard Gere) vive pacificamente com sua esposa, Connie (Diane Lane), e seu filho, Charlie (Erik Per Sullivan). Um dia, durante um vendaval no centro de Nova York, Connie conhece o jovem Paul Martel (Olivier Martinez), que a socorre e a acolhe em seu apartamento. Alguns minutos servem para demolir qualquer estabilidade conjugal entre a mulher e seu marido. Com o tempo, Sumner desconfia e decide investigar a esposa. Mal sabe, mas Connie e Martel passam as tardes juntos, transam em cafés e vão ao cinema - para assistir a Jules e Jim - Uma mulher para dois (Jules et Jim, 1961), de François Truffaut (1932-1984).
Apoiado pela atuação marcante de Diane Lane, por uma eficiente narrativa e por um estilo técnico sempre atraente, Lyne alicerça sua proposta. Ao escalar o neo-galã Martinez para o papel de garanhão que Gere fazia há vinte anos, inverte as coisas de maneira instigante. Mas, por detrás das provocações e do reconhecido talento estético, uma análise mais criteriosa facilmente reconhece um tom machista e moralista nas obras de Lyne. Infidelidade, novamente, não foge à regra. Como em Proposta Indecente, ou em Atração Fatal, ou em qualquer outro de seus filmes, as lições são aprendidas, os valores familiares são ressaltados, mas somente depois de bons tropeços. Talvez, no fundo, esse viés conservador seja consciente, mais um ingrediente da proposta. Afinal, um autor envolvente, Lyne sabe tirar o espectador de sua normalidade. Acontece que nem no departamento da polêmica Infidelidade convence. Numa escala, fica acima do dramalhão de Proposta, mas não passa nem perto do impacto de Atração.