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O cineasta Rodrigo García, 46 anos, filho do escritor colombiano Gabriel García Marquez, tem alma feminina. Não de uma mulher, mas de várias.
Seu primeiro filme, Coisas que você pode dizer só de olhar para ela (2000) entrelaçava a vida de cinco delas. O seguinte, Ten tiny love stories (2001), dez. Agora Nine lives (2005) volta à narrativa fragmentada para relatar passagens das vidas de nove mulheres.
Em comum às obras, a visão sensível sobre problemas, anseios, forças e fragilidades femininas. A diferença é que García enverniza o novo longa com exibicionismo técnico. Os nove capítulos, divididos pelos nomes das personagens, são nove planos-seqüências - ou seja, a câmera segue filmando, sem cortes, em cada um dos episódios de, que têm, em média, treze minutos.
Não dá pra perceber muito bem o virtuosismo no primeiro deles, "Sandra", já que o cenário claustrofóbico é o corredor de penitenciária onde uma mãe, detenta, vivida por Elpidia Carrillo, espera o momento de conversar com a filha. O balé da câmera fica mais evidente no labirinto de um supermercado em "Diana", o capítulo seguinte. É, disparado, o melhor dos nove - e merece um parágrafo à parte.
Grávida, Diana (Robin Wright Penn) circula entre as gôndolas quando reconhece um homem. Esquiva-se. Como não dá para fugir muito entre os corredores, seus carrinhos se cruzam. Damian (Jason Isaacs, o Lucius Malfoy da série Harry Potter), percebe-se logo, tem um longa e intenso passado com Diana. Passado mal resolvido. Nada é verbalizado demais, pois García continua sendo talentoso suficiente para dizer coisas só de olhar para ela - no caso, literalmente, só de filmar Robin à meia distância. É incrível como o diretor não precisa recorrer a uma trilha melosa ou close-ups para inteirar o espectador do terrível dilema que se abate sobre essa mulher.
A intensidade dramática de "Diana", coisa bastante difícil de se alcançar em histórias tão condensadas, não se repetirá em todos os episódios seguintes. Não é por inabilidade do elenco. No vasto time habituado a colaborar com García - no qual a Sra. Sean Penn é novata - estão atrizes excepcionais, como Kathy Baker, Holly Hunter, Glenn Close, Lisa Gay Hamilton, Amy Brenneman, Elpidia Carrillo.
A loirinha Amanda Seyfried é outra estreante - e sua historieta, "Samantha", também é boa. Novamente, sem dizer palavra, o diretor deixa claro que tipo de angústia atravessa a garota. A câmera a acompanha da sala, onde o pai está preso numa cadeira-de-rodas, até o quarto, onde a mãe cuida de dobrar e guardar roupas. Mãe e pai não se falam, mandam recados através de Samantha. Rapidamente percebemos que a intimidade do quarto da menina não é suficiente: aquela rotina sem perspectiva se torna ainda mais claustrofóbica que a prisão de Sandra.
O truque de García para não deixar os episódios encerrarem-se em si mesmos - e para aprofundar a personalidade das suas mulheres - é colocar personagens de uns nas tramas dos outros. Sissy Spacek interpreta a mãe desiludida de Samantha e retorna para protagonizar um episódio só seu, "Ruth", sobre adultério, culpa e autocomiseração. Lisa Gay Hamilton também sai de seu sofrido relato, "Holly", em que um ajuste de contas em família não parece acabar bem, para coadjuvar em outro ponto alto do filme, "Camille", em que Kathy Baker arrasa como a mulher hospitalizada, com medo de morrer.
Aborto, gravidez, solidão, insucesso, negligência, a perda de um amor, esterilidade, a morte de uma filha... São temas tão limítrofes que cabe bem o título, como o folclórico gato que morre oito vezes mas segue de pé para uma nona vida. Mas ainda que uma mínima unidade ligue os capítulos, alguns parecem deslocados. "Lorna", passado em um velório, é especialmente mal resolvido. Vale pela exibição técnica, como os demais: captar sons e estudar enquadramentos, focalizar o rosto da mulher no momento mais dramático, tudo isso exige perfeccionismo.
Craque nas entrelinhas, capaz de contar uma história com imagens, sem a muleta das palavras, Rodrigo García está pronto para dar o próximo passo. No caso, eleger um único protagonista e tentar desenvolvê-lo em uma hora e meia de filme. Mais do mesmo resultaria em bons trabalhos, a fórmula ainda agüenta, mas significaria também desafios limitados.