Assassinos em série têm em comum algumas obsessões, mas eles não precisam ser sempre maníacos sujos, baixinhos, carecas, magrelos e malvados. Vez ou outra eles podem se parecer com Kevin Costner. E melhor: ter William Hurt como alter-ego.
instinto secreto
Instinto Secreto (Mr. Brooks, 2007), suspense do diretor bissextíssimo Bruce A. Evans, parte dessa premissa inusual: e se o maníaco homicida fosse não apenas o herói do filme, como também um homem de bem, galã refinado, pai de família e empresário bem sucedido?
O senhor Brooks do título original, Earl Brooks, personagem de Costner, começa o filme ganhando um prêmio por seu trabalho como industrial numa empresa de embalagens. No caminho de casa, dentro do carro, aparece no retrovisor o lado "malvado" de Brooks, Marshall (Hurt). Depois de quase dois anos sem matar ninguém, esta noite Marshall está especialmente atiçado. Brooks reluta, discute, mas acaba cedendo - quando estão matando, Brooks e Marshall se completam.
O filme de Evans não tenta passar ao espectador a charada de um jogo de identidades e de imagens - fica claro desde o começo que Marshall é apenas materialização de uma parte da psique de Brooks. A questão de Instinto Secreto é outra: se Brooks conseguirá ou não controlar a verve assassina de Marshall. O lado bom do maníaco promete a si mesmo, a cada assassinato, que aquele foi o último.
É psicologia de consultório barato, sim, mas pelo menos o filme economiza nos constrangedores momentos-Gollum, com o personagem discutindo consigo mesmo diante do espelho. Analisando friamente, apesar da premissa bem sacada, Instinto Secreto também não escapa de vários clichês do thriller de maníaco, como a relação detetive-assassino. Falta bagagem a Evans, que antes de Instinto Secreto só tinha assinado o inexpressivo Kuffs - Um Tira Por Acaso, de 1992.
O que salva o filme é o elenco. Escalar Demi Moore como policial é evidentemente um tropeço, mas colocar Hurt e Costner para trabalhar juntos é um achado. Os diálogos que eles trocam em segredo (ninguém mais escuta quando Marshall e Brooks conversam), rindo de vítimas, brincando com as operações dos crimes, são refresco a base de escárnio. Ambos estão, visivelmente, à vontade - naquele ponto sóbrio da carreira em que preferem deixar para os outros o fardo de levar-se a sério.