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"Quero fazer um filme com
uma judia negra lésbica deficiente
como personagem principal,
pra poder ser premiado em Sundance"
Vincent Gallo
Não dá pra levar muito a sério o diretor e ator de The Brown Bunny (2003) - o célebre filme em que Gallo ganha dez minutos de felação sem maquiagens da diva indie Chloë Sevigny. Afinal, em 1998, com Buffalo 66, ele próprio já havia sido indicado ao Grande Prêmio do Júri do festival que agora esculhamba. Mas a declaração tem certa razão. Vai direto à medula de Sundance: nada melhor para ser ovacionado na celebração dos independentes, os marginalizados do cinema, do que exaltar as minorias, os marginalizados da sociedade.
O Agente da Estação (The Station Agent, 2003) serve para comprovar a tese. O longa de Thomas McCarthy - melhor roteiro, atriz e escolhido da audiência em Sundance - tem como protagonista um anão.
Parece o cenário ideal para um punhado de paternalismos, de discursos edificantes. Mas McCarthy se esquiva das tentações retóricas com aquilo que há de mais raro na atualidade: uma pequena história bem contada. Ambição contida, diálogos espertos, instantes de introspecção, humor inteligente, personagens cativantes e elenco empenhado se equilibram numa fórmula que tem como mérito maior a consciência de que basta ser um conto despojado para se fazer ouvir.
A própria introdução da trama, breve porém intensa, já é um exemplo de concisão. Não são necessários muitos minutos para entendermos que Fin (Peter Dinklage), o anão, é o pária principal da história. Ele trabalha com manutenção de trens de brinquedos. Troca apenas palavras essenciais com o dono da loja, o velho negro Henry (Paul Benjamin). É zoado na rua, no supermercado, mas nem no clube de amigos que também adoram os trens parece se sentir à vontade. Até que Henry morre. Fin herda a estação do título, localizada nos confins do subúrbio de Nova Jersey. O anão se muda pra lá - com a certeza, dele e nossa, de que tudo continuará na mesma apatia...
Contar mais da história tira um pouco do seu encanto, já que O Agente da Estação prima pela brevidade. Mas é imprescindível notar que, por trás do laconismo de Fin, bate no roteiro de McCarthy uma crítica velada à xenofobia e à política de exclusão norte-americana. Como em tudo no filme, essa idéia não se traduz em palavrório ostensivo, mas em discretas menções. Há a defesa do latino e do negro, como há também a condenação do loiro cowboy com a sua picape opressora, mas tudo isso surge singelamente, como por acaso.
O que vale aqui é mesmo o despojamento. E a sua melhor tradução é a marcha de passos curtos que Fin realiza todo dia nos trilhos abandonados de Nova Jersey - as mesmas estradas-de-ferro que povoam o imaginário estadunidense como símbolo de grandeza, de unificação, de conquista. Defender o oprimido é fácil, qualquer Vincent Gallo o faz, mas chegar a esse nível enxuto de epifania é mais raro.