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O Aviador | Crítica

<i>O Aviador</i>

10.02.2005, às 00H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 17H04

O Aviador
The Aviator

EUA,
2004
Drama - 169 min.

Direção: Martin Scorsese
Roteiro: John Logan

Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, John C. Reilly, Kate Beckinsale, Jude Law, Adam Scott, Kelli Garner, Gwen Stefani, Nellie Sciutto, Alec Baldwin, Danny Huston, Matt Ross, Ian Holm, Alan Alda

Produzir filmes é um atalho que vários atores vêm tomando para fazer os papéis que realmente lhe interessam sem ter de ficar esperando bons roteiros caírem em seus colos. Isso funciona tanto para talentos em ascensão como para quem já circula com uma certa facilidade pelos corredores de Hollywood. É o caso, por exemplo, de Leonardo DiCaprio, que batalhou para transformar a biografia do milionário texano Howard Hughes em filme. Sua primeira opção para dirigir o longa era Michael Mann, que chegou inclusive a escolher o roteirista John Logan (Gladiador, O último samurai) para escrever a história, mas acabou pulando fora. O motivo era simples: após filmar duas biografias seguidas - O informante (1999) e Ali (2001) -, ele queria partir para algo diferente e optou por Colateral (2004). Mas Mann continuou no projeto, como produtor, e ajudou tanto a conseguir os 150 milhões de dólares que garantiriam a viabilidade do filme como a conseguir um substituto, no caso, Martin Scorsese.

Tecnicamente, a escolha não poderia ser melhor. Scorsese é tão perfeccionista quanto foi Hughes e cuidou para que tudo estivesse no seu devido lugar, desde a ambientação à iluminação, que remete aos filmes feitos naquela época. Porém, ao pegar um trabalho que havia sido desenvolvido por outros e para outros, o cineasta não acrescenta muito à história. Se os personagens estão muito bem caracterizados, falta um pouco mais de profundidade, falta aquela câmera que mostra os distúrbios que estão acontecendo dentro da cabeça do protagonista, como em Taxi Driver (1976). O que se vê é o exterior, como por exemplo o transtorno obssessivo-compulsivo, a surdez e a germofobia de Hughes, mas em um estado ainda controlável, longe dos patamares que o levaram a se enclausurar até a sua morte.

O período retratado, dos anos 20 aos 40, começa com o jovem Hughes (DiCaprio), então aos 18 anos, dirigindo o épico Anjos do Inferno (1930) - uma homenagem aos pilotos da Primeira Guerra Mundial. Órfão há pouco tempo, o jovem brigou na justiça para herdar, antes de atingir a maioridade, a empresa e a fortuna deixada por seus pais - donos de uma empresa que inventou e patenteou uma broca que furava rochas e facilitava a extração do petróleo. Ao contratar seu braço direito, Noah Dietrich (John C. Reilly), Hughes explica que vai precisar de mais dinheiro para terminar seu filme e manda uma mensagem aos acionistas da empresa: Fale para eles pararem de me chamar de Júnior. Nada mais justo para quem, aos 11 anos, construíra o que provavelmente foi o primeiro estúdio de transmissão sem fio de Houston, demonstrando perícia em matemática e engenharia.

Não foi à toa que nos anos seguintes ele quebrou recordes de velocidade nos aviões que ele mesmo projetou e fez questão de testar. Sua paixão pela aviação e crença de que esta era a indústria do futuro fez com que comprasse uma companhia aérea, a TWA, que incomodou a gigante Pan Am e fez com que seu dono, Juan Trippe (Alec Baldwin), mexesse seus pauzinhos para tentar tirar Hughes e sua empresa do ar.

Tudo isso e a inquisição comandada pelo Senador Ralph Owen Brewster (Alan Alda) estão no filme, que como se pode imaginar é realmente longo (170 minutos), mas sem ser cansativo, afinal história para contar é o que não falta. Porém, na ânsia de jogar todas estas informações e façanhas conseguidas por Hughes, muitos fatos acabam sendo mostrados superficialmente. Alguns eram importantes, como seus problemas, e outros, no mínimo curiosos, como a invenção do sutiã meia-taça, criado para sustentar seu segundo filme, The Outlaw (1943), que tem como principal atração os seios de Jane Russel.

Há também o que se pode chamar de desperdício de estrelas. Com exceção à ótima performance de Cate Blanchett como Katharine Hepburn, passam quase desapercebidas aparições de Jude Law (Errol Flynn), Willem Dafoe (como o jornalista Roland Sweet), Ian Holm (Professor Fitz), Gwen Stefani (vocalista do No Doubt como Jean Harlow), entre outros. E até mesmo os que ganham um pouco de mais de tempo de tela, caso de Kate Beckinsale interpretando Ava Gardner, não passam de adornamento.

Decola bem, mas esquece de pousar

Antes de DiCaprio, vários outros figurões tentaram fazer um filme sobre a vida de Hughes, entre eles Warren Beaty, John Malkovich, Jim Carrey e Brian De Palma, que viu seu projeto ser brecado porque o orçamento de 80 milhões de dólares foi considerado muito alto. O que diferencia este projeto dos demais é que desde o começo DiCaprio queria focar-se no auge da criatividade de Hughes, que além de dirigir dois longas-metragens, produziu outros tantos, criou aviões, brigou com a Pan Am contra um monopólio dos vôos internacionais e, o que talvez mais aparecia na mídia, saiu com as mais belas mulheres de Hollywood. A opção é controversa, pois por um lado deixa o filme leve, com grandes chances de agradar muita gente. Porém, esta alternativa esconde os últimos dias da vida do magnata, que foi bastante reclusa e, dizem por aí, cheia de paranóias. Seria sem dúvida um prato cheio para DiCaprio mostrar ainda mais suas capacidades como ator dramático.

Assim, o filme decola e mostra com muito brilho vários fatos da vida de Howard Hughes, mas deixa de fora o trecho mais turbulento de todos, os anos de reclusão que duraram até sua morte. Usando a mesma comparação já feita pelo jornalista Peter Bradshaw no jornal inglês The Guardian: Um filme sobre Howard Hughes que não mostra sua vida em um quarto de hotel, com cabelos desgrenhados, unhas mais longas que hashis e pés calçados em caixas de lenço de papel, é como fazer um filme da vida de Mané Garrincha e não mostrar seus problemas com bebidas. Sem dúvida é algo que pode ficar até bonito na tela, mas é incompleto.

Nota do Crítico
Bom