Se o período de fertilidade pelo qual passa o cinema brasileiro impressiona, o caso da Argentina é bem mais impactante. O país platino atravessa crises econômicas e institucionais, mas a produção da sua Sétima Arte não poderia ser mais elogiada.
O Filho da Noiva (El Hijo de la Novia, 2001), de Juan José Campanella, se junta a surpresas como Nove Rainhas (Nueve Reinas, de Fabián Bielinsky, 2000) e segue exaltado pelo mundo. Foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mas perdeu para o ótimo Terra de Ninguém (No Mans Land, de Danis Tanovic, 2001). Exibido no Brasil, porém, venceu o Festival de Gramado na categoria Público e Crítica. No mesmo festival, Norma Aleandro recebeu o prêmio de Melhor Atriz. Já na Mostra BR de São Paulo, O Filho da Noiva recebeu o aval do público, que o escolheu como Melhor Filme.
O segredo da trama de Campanella está no tratamento delicado das relações humanas. Rafael Belvedere (Ricardo Darín, o malandro-chefe de Nove Rainhas), um quarentão estressadíssimo, pai divorciado, administra o restaurante de seu pai, Nino (Hector Altério), mas não tem realizações próprias das quais se orgulhar. Para piorar, sua mãe, Norma (Norma Aleandro), começa a sofrer os primeiros sintomas de Mal de Alzeheimer, a perda da memória. Mas quando Nino propõe a Norma um novo casamento na igreja, para reforçar votos feitos há quarenta anos, Rafael, o filho da noiva, percebe o momento de mudar também sua própria vida.
Vale destacar a preparação da película. A história se baseia na experiência real do diretor, cuja mãe realmente sofre da doença. Quando convidou Norma Aleandro para o difícil papel, a atriz temia não alcançar o ponto certo da interpretação. Campanella levou Norma a um passeio de carro, juntamente com sua mãe. Escondida no banco de trás do automóvel, bastou à atriz alguns momentos para entender a situação. Na tela, o desempenho de Norma surpreende pela segurança.
Esse processo intimista e atencioso de composição, de aprendizado, reflete-se no filme. Com piadas e referências Pop (sobra até para o pobre Professor Girafáles) intercaladas pelas belas atuações do trio protagonista, o resultado agrada no riso e no choro, com passagens emocionantes de verdade. Campanella inova ao exibir, como pano-de-fundo, a tempestade econômica em Buenos Aires. E consegue impor seu estilo em situações teoricamente previsíveis - em uma cena, a discussão de Rafael com seu melhor amigo acontece em meio às tomadas de um filme fictício; em outra, a reconciliação com sua amada é exibida através do videofone de um apartamento.
Enfim, sob todos os aspectos, uma película exemplar. E humana, acima de qualquer pretensão artística.