Os finlandeses Aki e Mika Kaurismäki são irmãos e cineastas. Nasceram na Lapônia, a terra do Papai Noel. Juntos, montaram um festival de cinema local. Mika agora vive no Rio de Janeiro, onde administra um bar em Ipanema, o Mika, e onde filmou recentemente Moro no Brasil (2002), um documentário sobre a música tupiniquim. Aki, o caçula, por sua vez, desfruta de certo reconhecimento no meio cinematográfico. E também curte os passeios musicais, como Os Cowboys de Leningrado vão para a América (Leningrad Cowboys Go America, 1989) e Os Cowboys de Leningrado encontram Moisés (Die Leningrad Cowboys treffen Moses, 1994), misturas de ficção e documentário sobre a banda de Rock-folclórico-escrachado Leningrad Cowboys, que veio ao Brasil em 2002.
Parece exótico o bastante? Pois bastam alguns minutos de O Homem Sem Passado (Mies vailla menneisyyttä, Finlândia, 2002) para constatar que a criatividade de Aki Kaurismäki vai além. Grande Prêmio do Júri em Cannes, exibido na Mostra de Cinema de São Paulo em 2002, o filme ganha o circuito alternativo graças à sua indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não deixa de ser um prazer (pela qualidade e pela originalidade do filme) e uma surpresa (pela sua estranheza non-sense e sua total falta de conexão com gêneros consagrados).
Imagine um homem que perde a memória no início da trama. Obviamente, a projeção se transformaria numa saga de auto-conhecimento e de busca pelas lembranças perdidas. No caso de O Homem Sem Passado, porém, a história segue uma linha cômica, quase surreal, em que impera a imprevisibilidade. Assim que chega a Helsinque, um senhor (Markku Peltola) acaba agredido e assaltado. No hospital, recobra a consciência, mas não se lembra de nada que ocorreu antes do ataque. O que fazer então? O personagem decide perambular e, por que não, começar uma vida do zero.
Assim, ele passa por situações como viver em um contêiner à beira de um rio, cobrar o seguro desemprego do governo mesmo sem saber o próprio nome, injetar energia na sonolenta banda do Exército da Salvação - e até encontrar o amor. O que faz a diferença em O Homem Sem Passado é que Kaurismäki cria um elogio ao otimismo, sem espaço para bizarrices gratuitas. Todas as ações do personagem, aparentemente descabidas, sem encaixam dentro de uma conduta libertária.
Realmente, é preciso um certo desprendimento para aproveitar o filme - tanto das concepções do cinema industrial quanto dos dogmas que muitas vezes tornam a vida moderna uma prisão. Para aqueles que compreendem o seu humor peculiar, a satisfação e o sorriso são garantidíssimos.