|
||||
Sargento Lucas odeia pedófilos. Vigia Walter, criminoso em liberdade condicional, com desconfiança agressiva. Vivido pelo rapper Mos Def, o policial visita a casa do homem que passou doze anos encarcerado - papel de Kevin Bacon - sempre na ânsia de fazê-lo voltar para a prisão.
Certa tarde o sargento relembra a história de Chapeuzinho Vermelho. Não fosse o lenhador cortar o lobo ao meio, a menina não teria sobrevivido. "O mundo não tem mais lenhadores", sacramenta Lucas, sugerindo que Walter merecia mesmo é a pena de morte.
A imagem cai muito bem no drama O Lenhador (The Woodsman, 2004), da roteirista e diretora debutante em longas Nicole Kassell. Para tentar se reintegrar à sociedade, Walter arruma emprego numa madeireira. Agora visita um terapeuta para entender a psicopatia contra a qual luta tanto. Nunca antes de ser condenado agrediu ou matou as meninas que bolinava - mas aos olhos dos outros é apenas um monstro. Na fábrica Walter responde, ironicamente, pela serra elétrica.
No atual cinema adulto e autoral de Hollywood, aquele que o Oscar gosta de privilegiar, culpa e redenção são dois tema recorrentes. São os motes principais de O Lenhador e também de outro filme que a modesta companhia de Lee Daniels produziu, A Última Ceia (Monsters Ball, de Marc Forster, 2001). Em ambos os filmes a descoberta do amor serve de caminho de expurgação. Desmistificar tabus parece ser a especialidade da casa. E a trama depurada por Nicole Kassell, baseada em peça de Steven Fechter, trata o pedófilo com a mínima compaixão que uma pessoa em busca de tratamento merece.
A atuação minimalista de Kevin Bacon, premiada no Independent Spirit Awards, contribui demais para o rendimento do filme. Bastam uma testa franzida e um olhar perdido no vazio, tiques espantosamente cheios de expressão, para sentirmos o seu drama. Até chegar o clímax do filme - quando o lobo colocará à prova no bosque, diante da sua chapeuzinho, o desejo de virar lenhador - esperamos o pior. O Walter de Kevin Bacon se mostra tão frágil que não seria surpresa se implodisse em recaídas.
O grande mérito de Nicole é construir um exame moral introspectivo e, ao mesmo tempo, não dispensar essa tensão crescente, digna dos grandes suspenses. Usando termos castigados e pontuais - vamos falar a língua do mercado, já que o filme merece ser campeão de bilheteria - dá para dizer que o eletrizante O Lenhador prende o espectador na poltrona do início ao fim.