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Há muita coragem no lançamento do O senhor das armas (Lord of war, 2005) às vésperas de um referendo histórico que pode proibir a venda e porte de armas de fogo no Brasil. Logo no início do filme, em uma rua coberta por balas dos mais diversos calibres, Yuri Orlov (Nicolas Cage) começa a despejar dados sobre a indústria na qual trabalha, a armamentista. Existem mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Isso significa uma arma para cada 12 pessoas. A única pergunta é: como armar as outras 11?, diz ele sem demonstrar qualquer tipo de ressentimento.
Para entender como ele chegou àquele estágio, um flashback nos leva aos anos 80. Sempre com uma locução em off, Yuri conta que imigrou da Ucrânia para os Estados Unidos com seus pais. Um dia, em um restaurante, ele tem uma epifania: matar faz parte da natureza humana, como comer, e assim começa a lucrar com esta necessidade, vendendo armas ilegalmente. Junto com seu irmão mais novo, Vitaly (Jared Leto), ele logo está negociando com pessoas de todos os tipos de ilicitude, do tráfico de drogas, ao maior de todos, o tráfico de influências da politicagem.
Escrito e dirigido por Andrew Niccol (Gattaca, S1m0ne), o filme mostra detalhes da máfia controladora de uma indústria bilionária. Quem compra armas ilegais são os bandidos, os traficantes, os guerrilheiros, os tiranos, mas quem as fabrica são geralmente pessoas e conglomerados de muito poder entre as classes dominantes, não importa o país. Em Tiros em Columbine (2002), Michael Moore mostra detalhes da cultura belicista norte-americana. Niccol afasta sua câmera e mostra casos mundiais de generais corruptos roubando armas de seu próprio batalhão, traficantes armando seu próprio exército e líderes africanos colocando crianças armadas nas ruas.
Embora os personagens pareçam formas caricatas do que já foi mostrado inúmeras vezes no cinema, na TV e nos jornais, todos os fatos foram pesquisados a fundo por Niccol. Os números são atirados como balas saindo de uma semi-automática, como por exemplo: Entre 1982 e 1992 foram roubados na Ucrânia mais de 32 billhões de dólares em armamento, no que acreditam ser o maior assalto do século 20. Ninguém foi condenado, ou investigado.
A diferença do filme ficcional de Niccol com o documentário de Moore é que este último era tão maniqueísta ao falar da indústria que acabava deixando o tema irônico, afinal é cômico ver como os armamentistas tentam defender algo feito para matar. Já o personagem de Nicolas Cage é uma contradição ambulante. Méritos ao ator, que consegue transformar um vendedor de armas em um cara frágil e do qual você até pode nutrir algum sentimento positivo, quase um carinho. Yuri sabe que o que faz é errado, mas não consegue parar, pois ele é realmente bom no seu trabalho, estando sempre à frente dos seus adversários, sejam eles outros vendedores, ou a polícia. Seu azar/maldição é que este ramo é ilícito e, pior, responsável pela morte de milhares de pessoas por ano.
Talvez o grande defeito de O senhor das armas seja seu excesso de zelo. O filme mostra muito cuidado com toda a parte gráfica do filme, que apresenta um dos pôsteres mais bem trabalhados do ano e uma seqüência de créditos iniciais que mostra a vida de uma bala, desde o seu nascimento, até o seu objetivo final, entrando na cabeça de uma criança. Ao mostrar cenas bem filmadas, trilha sonora pop e até bom uso de computação gráfica, o longa corre o risco de cair na prateleira dos filmes-pipoca, perdendo assim seu selo de filme-denúncia.
Ajuda também o texto escrito por Niccol, que transforma Yuri em um grande cínico. Há muita ironia no texto, como na citação de que após o fim da Guerra Fria, a AK-47 se tornou o maior ítem de exportação da Rússia. Seguido pela vodca, caviar e escritores suicidas, ou quando Yuri diz que não vendeu armas para Osama Bin Laden. Não por razões morais, mas porque ele só dava cheques sem fundos.
Mas ao bom entendedor, meia-palavra basta, cer?