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Quando o trailer de Redentor (assista aqui) foi exibido para a imprensa, há alguns meses, durante um evento promovido pela Warner Bros., a percepção do Omelete era que estávamos diante de uma produção inusitada. De cara, o filme pareceu diferente da atual onda do cinema nacional, que depois de um 2003 excepcional, vive um ano bastante pobre. Felizmente, a sensação inicial foi comprovada perante o longa acabado. Redentor, definitivamente, não era apenas um trailer bem montado.
A história começa como uma dessas notícias que freqüentemente irrompem nos jornais. Uma construtora falida aplica um golpe, deixando milhares de pessoas sem os apartamentos que compraram. O jornalista Célio Rocha (Pedro Cardoso) é filho de uma dessas famílias que viram desmoronar o sonho da casa própria e vive todos os dias a tortura desse acontecimento. Seus pais, interpretados por Fernanda Montenegro e Fernando Torres (não coincidentemente pais do diretor, Cláudio Torres), pagaram durante 15 anos as prestações do apartamento 808 do Condomínio Paraíso e, apesar de serem donos do imóvel, não podem ocupá-lo devido à falência da construtora, que nunca entregou as chaves.
Ironicamente, quando o empreiteiro golpista (José Wilker, com cara de Jack Nicholson) se suicida, Célio é chamado por Otávio Sabóia (Miguel Falabella), herdeiro das dívidas do pai e seu amigo de infância, para uma entrevista exclusiva. Mas as intenções de Otávio são outras. O ex-milionário quer um artigo positivo a seu respeito, para conseguir um novo empréstimo junto a investidores americanos. Se ajudá-lo, o jornalista receberá seu tão sonhado apartamento.
Entretanto, a situação não é assim tão simples. Também prejudicados, os moradores da favela vizinha ao condomínio - originada pelos operários que nele trabalharam sem nunca receber um tostão - resolvem fazer justiça pelas próprias mãos e se apropriam dos apartamentos. Revoltado com a invasão, Célio encontra a saída para o seu dilema - disfarça sua matéria a favor de Saboia criticando a ocupação dos favelados, estampando na primeira página a imagem da bela Soninha (Camila Pitanga) posando de ricaça no Paraíso da classe média.
Bem intencionadas ou não, as ações de Célio têm conseqüências graves e desencadeiam uma série de acontecimentos, incluindo uma missão designada ao outrora pacato jornalista por Deus (!) - num dos momentos mais surpreendentes da nova cinematografia nacional.
Santos e deuses
"Milagres acontecem", avisa a frase promocional no pôster de Redentor. Filmes bons na retomada do cinema no Brasil já deixaram de ser milagre há algum tempo, mas este novo longa-metragem prova que há um novo santo no pedaço. O primeiro longa-metragem de Cláudio Torres - sócio da premiada Conspiração Filmes - levou quase uma década para ficar pronto. Só o roteiro, escrito por Torres ao lado de sua irmã Fernanda Torres e Elena Soárez, consumiu seis anos de trabalho. A pós-produção, recheada de excelentes efeitos especiais, mais dois. O resultado é delirante, engraçado e planejadíssimo.
A experiência como diretor de comerciais e o fanatismo por histórias em quadrinhos (o cineasta cita Frank Miller como uma de suas influências) deram o tom do filme, uma obra autoral de realismo fantástico, que promove uma inteligente crítica social e uma assustadora metáfora do povo brasileiro e sua moral (ou falta de).
Completando o talentoso elenco da produção estão Lúcio Mauro (excelente como o detento "Tísico"), Tony Tornado (o monossilábico Tonelada), Stênio Garcia (o pedreiro Acácio) e o franco-argentino Jean-Pierre Noher (o americano made in Bolívia Gutierrez). Vale destacar também a presente trilha sonora de Maurício Tagliari e Luca Raele, que ganha ainda mais força quando entra a emblemática "O Guarani", de Carlos Gomes, a famosa "voz do Brasil".
Em última análise, Redentor tem um curioso convite à reflexão... afinal, se o brasileiro precisa de Deus para sair do buraco onde se enfiou, devemos esperar um milagre que nos conduza? O colapso social é tão acentuado que nenhum homem conseguirá dar um jeito na situação? Ou Deus é simplesmente uma pessoa qualquer que ousa fazer o que é certo? Apesar da primeira opção ser a mais fácil, a última é muito mais plausível... afinal, se Deus é brasileiro, ele pode muito bem ser eu ou você. Basta ousar.