Assim como Não Estou Lá, o filme que mistifica a figura de Bob Dylan para examiná-la enquanto fenômeno, James Brown (Get On Up, 2014) também tenta refazer o trajeto do seu biografado a partir de retalhos sem ordem cronológica. James Brown como velho louco nos anos 80, como órfão de lar partido, como inventor e disseminador do funk nos anos 60 e 70, como promessa gospel em 1950, como Padrinho do Soul - tudo ao mesmo tempo.
james brown
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Ao contrário do longa de Todd Haynes, porém, que removia de cena a figura de Dylan, ao transformá-lo em muitos, o diretor Tate Taylor faz de James Brown a repetição de uma única silhueta. Em Não Estou Lá, Dylan existia de fato enquanto fenômeno, impregnava as coisas que tocava, os lugares que visitava. Em James Brown o que temos é o descontexto, uma figura que transita de lugar a outro como um fantasma mutante, e que, ao contrário do James Brown real, não parece deixar rastros por onde passa.
Há uma ideia em uso aqui: a do homem que se isolou por aprender cedo a não depender de ninguém. É uma ideia de evidente carga dramática, e de fundo social, a exemplo do filme anterior de Taylor, Histórias Cruzadas, mas ao reduzir os muitos James Browns a essa única ideia, ao reduzir seu filme ao mínimo de dramaturgia, o diretor coloca para si um impasse. Seria James Brown um filme vazio ou um filme sobre o vazio?
Taylor parece ignorar a questão, e coloca suas fichas na figura do ator Chadwick Boseman, filmado sempre frontalmente, vez ou outra dialogando direto com a câmera, na esperança de que seu biografado ganhe em cena uma autonomia capaz de conduzir o filme sozinho. Boseman aguenta como pode essa pressão de estar o tempo todo sob o holofote, ajudado pelo acesso ao catálogo de sucessos da carreira do cantor, de "I Feel Good" a "Super Bad".
Mas essa mistificação que James Brown promove termina por alienar a todos. É uma alienação que fica evidente nas cenas mais fortes, como quando Brown bate em sua esposa e Taylor encena o ato no extracampo, longe dos nossos olhares. Mais tarde, chega a espantar que o telefone toque com a notícia de que Martin Luther King Jr. foi assassinado, porque isso puxa o espectador para a vida - é como se este filme operasse suspenso, descolado do mundo, hipnotizado pelo "groove", e de repente fosse lembrado da realidade.