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Em uma banca de apostas cinematográficas, poucos lances são mais arriscados do que a cinebiografia de um músico. São raras as vezes que a indústria hollywoodiana consegue combinar a sua máquina de moer entretenimento com o respeito à vida e obra dos biografados. É só pensar e constatar: podemos contar em poucos dedos os resultados realmente bons. No grosso, o que vem a público são exageros bobos em detalhes polêmicos, atuações canhestras e deturpações gratuitas dos personagens.
Nesse sentido, Johnny & June (Walk the line, 2005) é a redenção suprema. O papel central é de Johnny Cash (Joaquin Phoenix), músico country que figura entre os nomes mais emblemáticos dos últimos 50 anos e que influencia o rock desde as suas raízes.
O filme não se propõe a nenhuma inovação dentro do seu gênero. Vai da infância de Cash no Arkansas, retratando a sua relação paternal com o irmão mais velho (um prólogo, aliás, que remete ao nosso 2 filhos de Francisco, veja só), passa pelos seus primeiros anos de carreira, depois de cair nas graças de Sam Phillips e sua Sun Records, e seu encontro com sua eterna musa June Carter (Reese Whiterspoon), e culmina no show dentro da prisão de Folsom, em 1968, gravação que rendeu um de seus álbuns mais icônicos. É a biografia per se.
O que eleva o filme do seu provável status banal, além da força da história, é a rara combinação de uma equipe em sintonia. O diretor James Mangold voltou a acertar a mão como em Garota, interrompida (Girl, interrupted, 1999), a fotografia é bela e o figurino, impecável. Mas quem bota fogo na coisa toda é mesmo a dupla de atores principais.
Joaquin Phoenix mergulhou no papel de Cash de forma assustadora, encarnando o cantor em todas as suas nuances. Na postura e na voz grave, no movimento irônico de colocar o violão nas costas, no olhar penetrante e na fúria de um homem que era conhecido pela cabeça esquentada. E Reese Whiterspoon, queridinha do melado cinema americano, ganhou muito sal com a personagem June Carter, talvez o real papel de sua vida - é difícil pensar em alguém melhor para absorver a caipirice fofa da cantora de forma não caricata.
Além dos dramas pessoais, a música também é bem tratada em Johnny & June. Phoenix e Whiterspoon escancaram suas aulas de canto nas impecáveis performances ao vivo dentro do filme. A outra surpresa, no elenco coadjuvante, foi a escolha de músicos para interpretar os companheiros do casal Cash nas turnês. Elvis, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, toda a mitologia é recriada com fiel dignidade.
O grande porém fica por conta das modificações criadas pela distribuidora nacional. O estupendo cartaz original foi trocado por uma foto do casal que, aliada ao "inventivo" título novo, rebaixa o filme ao posto de uma comédia romântica qualquer, ante um desavisado. Tudo bem que Johnny & June retrata a história de amor mais bela do rock, mas não precisava exagerar.