Em certo ponto de Jurassic World: Domínio (sem spoilers, prometo!), Ellie Satller (Laura Dern) se encontra com um bebê dinossauro que acaba de ser resgatado de maus tratos por uma agência governamental. Agachando-se para acariciá-lo, a cientista se volta para o velho amigo Alan Grant (Sam Neill) e declara: “É sempre emocionante, Alan”. É uma constatação curiosa no contexto deste longa, o sexto da franquia Jurassic: há um bom tempo, já, o público se acostumou a ver os lagartões pré-históricos recriados com efeitos especiais de ponta na tela de cinema. A emoção de Ellie é só uma memória distante… ou, pelo menos, costumava ser.
Domínio é um produto cinematográfico incomum para o ano de 2022 principalmente por se posicionar no exato eixo entre caça-níquel hollywoodiano desnecessário e obra feita com óbvio carinho por formato e mensagem. Colin Trevorrow não é Steven Spielberg, é claro, mas se mostra sábio o bastante para não tentar ser. O seu novo Jurassic World, ao contrário daquele que ele mesmo dirigiu em 2015, não carrega um conceito tão elevado de si mesmo - Trevorrow sabe que, a essa altura do campeonato, só o que pode fazer é um pastiche de ficção científica que será julgado pelo quão imaginativa, e também quão táctil, é sua jornada.
Domínio começa alguns anos depois de Reino Ameaçado. Os dinossauros que escaparam de Isla Nublar estão vivendo no mundo humano, alguns pacificamente e outros nem tanto, enquanto os governos do planeta se esforçam para encontrar formas de contê-los. Uma das alternativas é contratar a gigante tecnológica BioSyn, que promete manter os dinos capturados em um santuário isolado, onde poderão ser estudados para avanços medicinais. Quando a Dra. Sattler detecta uma praga de gafanhotos geneticamente modificados destruindo plantações pelos EUA, no entanto, começa a investigar a empresa.
Assinado por Trevorrow e por Emily Carmichael (Círculo de Fogo: A Revolta), o roteiro de Domínio não é sutil em sua mensagem. O vilão aqui é a ganância corporativa, encarnada no CEO da BioSyn, Lewis Dodgson (Campbell Scott). Espécie de paródia de bilionários “visionários” como Jeff Bezos, Elon Musk e Mark Zuckerberg, Dodgson aparece vestido com blazers escuros impecavelmente cortados, está sempre mastigando petiscos não especificados, e demonstra falta de traquejo social desorientadora. Domínio desmonta a ilusão projetada por gente dessa estirpe, fazendo transparecer que o mal que eles computam para a humanidade como um todo é calculado, e não acidental.
De certa forma, ter os dinossauros à solta no mundo humano permite que Domínio não repita as mesmas sentenças morais cansadas dos cinco filmes anteriores (sim, pessoal, nós já sabemos que tudo dá errado quando o homem “brinca de Deus”). De fato, ele até tira um pouco de sarro da insistência da humanidade em cometer o mesmo erro um milhão de vezes, transformando essa teimosia em texto. “Você sabe que está nos encaminhando para a extinção, e mesmo assim não vai parar!”, exclama o Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum) para o vilão do filme em certo ponto. Perto até demais da realidade em que vivemos deste lado da tela.
Como todo bom filme de monstro, no entanto, Domínio sabe conciliar esse comentário social astuto com o fato que, bom… é bacana demais ver lagartos gigantes no telão do cinema. O caminho de Trevorrow para resgatar aquela emoção da Dra. Sattler é, acertadamente, apostar na imaginação: o novo Jurassic World tem as cenas de ação mais criativas e interessantes da franquia desde o primeiro Jurassic Park, apostando alto em inserir os personagens (e os dinossauros) em situações novas, que não remetem aos filmes anteriores.
A brilhante perseguição pelos telhados e ruas ensolaradas de Malta, no primeiro ato, é filmada como uma set piece épica de 007 ou Missão Impossível; a tensa emboscada entre os personagens de Chris Pratt e DeWanda Wise e um predador particularmente versátil, em um lago congelado, é editada com expertise; a escapada de Sattler, Grant e da jovem Maisie (Isabella Sermon) pelos túneis do santuário da BioSyn inspira Trevorrow a resgatar a linguagem do terror e a usar as sombras e lanternas com inteligência. Todas essas sequências são melhorias marcadas em relação à ação anabolizada e sem estilo dos longas anteriores de Jurassic World.
A verdade é que é um alívio ver essa franquia sendo capaz de usar a imaginação de novo. Há tantas possibilidades fantásticas encerradas na premissa de Jurassic, e Domínio é o primeiro filme em muito tempo a reconhecer e libertar essas possibilidades. Esses filmes, em seu melhor, são parques de diversão para cineastas talentosos realizarem os seus sonhos estilísticos e narrativos mais delirantes, e Trevorrow certamente foi longe com os seus. Sorte a nossa.