Mary Elizabeth Winstead em cena de Kate (Reprodução)

Filmes

Crítica

Kate é uma bobagem encharcada em neon pela qual é difícil não se apaixonar

Mary Elizabeth Winstead vive assassina de aluguel em filme de ação eficiente da Netflix

09.09.2021, às 13H18.

Em uma cena ainda no primeiro ato de Katea personagem-título, interpretada por Mary Elizabeth Winstead, corre pelo telhado de um prédio em Tóquio, seu movimento acompanhado de longe pela câmera, sua silhueta entrecortando o grande display de neon no edifício bem em frente ao dela. Parece um momento saído de Ghost in the Shell ou Aeon Flux - as animações, não os filmes live-action -, cercado pela sensibilidade brutamontes de um filme de ação B hollywoodiano dos anos 80 ou 90.

Esse é grande parte do charme da produção da Netflix, dirigida sem nenhuma sutileza por Cedric Nicolas-Troyan (O Caçador e a Rainha do Gelo). Desprovido de grandes ambições artísticas, Kate se sente à vontade para emprestar ideias visuais de fontes mais conceituadas e aproveitá-las para temperar aquela trama básica, familiar: uma assassina de aluguel traída busca vingança e, pelo caminho, encontra uma inesperada conexão humana e uma possibilidade de redenção.

O roteirista Umair Aleem, cujo único crédito anterior é o pouco visto thriller de ação Operação Resgate (2015), um dos filmes duvidosos que Bruce Willis anda fazendo para pagar as contas, entrega um trabalho de caracterização rudimentar, mas eficiente. Kate, a personagem, é tipicamente torturada pelos fantasmas de seu passado; mas Kate, o filme, não presta mais atenção a isso do que é preciso - o que importa, afinal, não é a profundidade do trauma da protagonista, mas o que ela faz (com revólveres, facas e quaisquer outras armas que achar pelo caminho) com ele.

Adicione aí uma pré-adolescente genuinamente carismática (a Ani da ótima Miku Patricia Martineau), que foge dos clichês irritantes de personagens jovens em filmes como esse, e um ensaio de discussão (rasa como um pires, mas moralmente alinhada) sobre o intrometimento de agentes ocidentais na cultura japonesa, e você tem a receita básica perfeita para uma sessão despretensiosa de fim de semana. E daí entram em cena as muitas e deliciosas ousadias às quais o filme se permite.

A cena de perseguição automotiva pelas ruas de Tóquio, criada com um CGI barato que lembra um videogame à la Burnout; a trilha sonora recheada de hits energéticos do j-pop e do j-rock; o trabalho impecável de maquiagem e figurino que retrata a condição deteriorante da heroína Kate durante o filme, amplificado por uma interpretação autoconsciente de Winstead; as pequenas brincadeiras conceituais da montagem, assinada por Sandra Montiel e Elísabet Ronaldsdóttir, que emprestam ritmo e humor a cenas de ação chocantemente brutais.

Kate se esforça muito para seduzir o espectador com sua visão debochada e específica do épico de ação descartável hollywoodiano. Difícil não embarcar nela e se apaixonar pelo filme.

Nota do Crítico
Ótimo