Um filme pode ser apenas um passatempo, mero entretenimento para esquecer os problemas do trabalho, da casa, etc. Mas pode também mudar a vida de uma pessoa. Que o diga o neo-zelandês Peter Jackson, que aos 9 anos se apaixonou pelo King Kong (1933) da mesma forma que o gorila gigante tomba amoroso diante da bela Ann Darrow. Ao assistir ao filme pela primeira vez, aquele menino decidiu que seria diretor de cinema. E conseguiu!
A devoção de Jackson pelo Kong era tão grande que aos 12 anos ele começou a fazer o seu remake, utilizando cenários de cartolina e um casaco de pele da mãe para fazer as vezes do símio. Nunca terminou este projeto, mas seguiu em frente. Em 1996 ele bateu à porta da Universal com um novo roteiro para apresentar a famosa criatura da Ilha da Caveira a um novo público. Devido à proximidade de outros longas com gorila (Poderoso Joe) e monstro gigante (Godzilla) que entravam em cartaz, o estúdio engavetou temporariamente o macaco de 8 metros.
Com o sucesso da trilogia O Senhor dos Anéis, que gerou mais de 3 bilhões de dólares em vendas de ingressos, o sinal verde não era nem questão de tempo. E assim, apenas alguns dias depois da estréia mundial de O Retorno do Rei, Peter Jackson já estava trabalhando na sua versão de King Kong (2005). O roteiro foi escrito junto com suas habituais colaboradoras, Fran Walsh e Philipa Boyens. Ao contrário da produção de 1976, que tentou atualizar a história para o cotidiano da época (chegando até a trocar a cena do Empire State pelo World Trade Center), o remake de Jackson e sua equipe seria baseado nos anos que seguiam a Grande Depressão e teria como cenário inicial a Nova York dos anos 30 e como ponto climático o mais alto e conhecido edifício de Manhattan.
The Return of the King
Apesar de ser o motivo principal da existência do filme, o Kong - ou Torê Kong, como o chamam os locais da Ilha da Caveira - não aparece até que já tenham se passado mais de 40 minutos de fita. Este tempo é usado para construir os personagens. Jack Black (de Escola de Rock) faz o cineasta Carl Denham, um sujeito de fala rápida e tão caricato quanto os demais personagens feitos pelo ator e isso - mais uma vez - não é uma característica negativa. Denham sai por Manhattan desesperado para encontrar uma atriz magra para o seu próximo filme (em uma divertida homenagem ao clássico ele chega a cogitar Fay Wray, mas se lembra de que ela vai fazer um filme para a RKO) e vê em Ann Darrow (Naomi Watts, de 21 Gramas) toda a beleza necessária para o papel. Watts está realmente linda como nunca. Parece saída dos clássicos do início do cinema com seus cabelos loiros e mais uma vez mostra que é uma das mais talentosas de sua geração. Darrow aceita participar do projeto apenas quando fica sabendo que o roteirista é o dramaturgo Jack Driscoll (Adrien Brody, de O Pianista).
Todos a bordo do S.S. Venture, eles partem rumo às ilhas do sul. Durante as filmagens no navio, o cupido acerta os corações da atriz e do roteirista. Mas é com a chegada à Ilha da Caveira que a aventura começa. A partir deste momento, seja na água, em terra firme, ou nas alturas, a adrenalina corre solta. As cenas mais emocionantes são a incrível luta do Kong contra os T-Rex (sim, é mais que um!), o ataque dos insetos gigantes contra a força tarefa criada para resgatar Ann Darrow das garras do gorila e todas as cenas da besta solta por Nova York, incluindo aí uma perseguição de macaco x carro e, claro, a seqüência do Empire State Building.
Nem todos os elementos de computação gráfica são perfeitos. O estouro de uma manada de brontossauros, por exemplo, mostra animais visivelmente construídos por computação gráfica, com tons de pele mais "lavadas" e movimentos menos realistas. Mas tudo isso é deixado de lado quando o enorme macaco entra em cena. Além de todos os pêlos, rugas e cicatrizes construídas digitalmente, este Kong do século 21 tem sentimentos. A forma como ele se diverte com Ann Darrow, a sua fúria contra os que tentam separá-los, a gana com que a defende... nada disso seria possível sem a ajuda do ator Andy Serkis. Assim como havia feito em O Senhor dos Anéis, quando emprestou seus movimentos e voz ao Gollum, Serkis se vestiu de chips e sensores para não apenas recriar os movimentos do símio, como acrescentar um lado humano que não se via nem no boneco utilizado em 1933, nem no homem fantasiado de 1976. Como bônus pelos seus dois trabalhos com Peter Jackson, Serkis ganhou do chefe uma ponta em "carne e osso", como Lumpy, o cozinheiro do navio S.S. Venture.
A oitava maravilha do mundo!
O resultado final pode desagradar uma ou outra pessoa. Do ponto de vista de roteiro, deve-se ressaltar que há alguns furos. O que acontece, por exemplo, com o povo da Ilha da Caveira? Como eles conseguiram transportar o macacão até Nova York? Por que usar duas vezes a "cavalaria" para salvar os personagens principais? Mas devemos nos lembrar de que apesar de tudo, King Kong é um filme de aventura com fundo romântico-dramático. Para rebater qualquer uma das críticas às cenas acima, sugiro compará-la com a "valsa" entre o Kong e Ann Darrown no gelo do Central Park. A cena é uma das mais belas da história recente do cinema e deve entrar para a história da sétima arte.
Mas o principal alvo das (poucas) críticas é a longa duração do filme. Porém, como se sabe, a Ilha da Caveira possui medidas diferentes de tempo, tanto é que conserva até hoje seres pré-históricos como dinossauros. Assim, você deve sair do cinema com a certeza de que não perdeu três horas e sete minutos de sua vida, mas sim de que as aproveitou muito bem. Hail to the King!