Matthew Vaughn e Mark Millar criaram The Secret Service depois de ver Cassino Royale (2006). A ideia da dupla era descobrir o caminho até a “licença para matar” de James Bond. Na adaptação da HQ para o cinema, porém, Vaughn não apenas conta a história de origem de um super espião, mas faz de Kingsman: Serviço Secreto a mais estapafúrdia e divertida homenagem ao agente 007 e seus colegas de profissão.
O herói em ascensão é Gary “Eggsy” Unwin (Taron Egerton), um garoto rebelde e pobre de Londres que descobre a sua chance de salvação no legado do pai, um antigo membro da Kingsman. Na agência secreta, em meio a candidatos privilegiados, frutos da nobreza britânica, Eggsy precisa aplicar a sabedoria das ruas à educação de um verdadeiro cavalheiro. Galahad (Colin Firth) é o seu guia em uma versão 2.0 da Távola Redonda, que também conta com Lancelot (Jack Davenport), Merlin (Mark Strong) e o rei Arthur (Michael Caine).
A luta de classes é apenas um dos extremos de um filme que consegue alternar feminismo, estereótipos variados, machismo, quebra de clichês, violência e entretenimento. A incongruência segue por todos os lados. Se defende a nobreza, a superioridade intelectual e a elegância dos Kingsman, também condena a fama vazia e o dinheiro como vantagem social. O pobretão Eggsy é o protagonista, mas seus pares menos afortunados do proletariado londrino são retratados como ignorantes, beberrões e sem modos. Se duas ótimas personagens femininas - a vilã Gazelle (Sofia Boutella) e a mocinha Roxy (Sophie Cookson) - têm espaço para desenvolver suas personalidades sem precisar servir de interesse amoroso para ninguém, o longa persiste em sexismos que nem mais James Bond se atreve a reproduzir. Tudo coroado pela capacidade de Vaughn de dar cores de desenho animado à violência pesada.
São tantas coisas ao mesmo tempo, tantas possibilidades de discussão, e ainda assim Kingsman evita ser vítima da própria ousadia. O segredo está no equilíbrio entre os opostos, como na escalação de Colin Firth. O filme (escrito por Vaughn e Jane Goldman, sua parceira oficial desde Stardust: O Mistério da Estrela) usa a fachada de bom moço do ator, conhecido por interpretar reis, nobres e outros tipos benquistos, para criar o mais mortal e cordial dos espiões. A desconstrução de imagens também vale para o vilão. A figura franzina de Valentine pouco lembra a imponência de Samuel L. Jackson, que esconde o vozeirão em uma língua casualmente presa (como se o ator ocasionalmente esquecesse da deficiência do seu personagem). A participação de Mark Hamill, às vésperas do seu retorno como Luke Skywalker, é outra cereja em um bolo de cultura pop.
Vaughn justificou sua saída da direção de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido (a continuação do seu X-Men: Primeira Classe) pela necessidade de criar algo novo. Conseguiu. Ainda que nascido de um pacote de referências, Kingsman é um produto criativo que subverte todos os gêneros que o inspiraram: os quadrinhos, a espionagem, a ação e a comédia. Contada a sua origem, Eggsy só precisa agora provar se tem o mesmo fôlego de 007 para as sequências.
Kingsman: Serviço Secreto | Cinemas e Horários