Desde que o menino Andy ganhou um boneco astronauta em Toy Story (1995), a Pixar não só abriu as portas para que as animações em CGI dominassem Hollywood, mas tornou-se sinônimo de qualidade tanto em seu uso de tecnologia quanto em sua inteligência narrativa. De lá para cá, como qualquer grande estúdio, a hoje subsidiária da Disney teve seus deslizes (bater em Carros virou lugar-comum; O Bom Dinossauro e Dois Irmãos merecem seu momento), mas Lightyear surge como excelente exemplo daquilo que ela faz melhor. No que poderia ser apenas uma exploração vazia do duradouro apelo comercial da mesma franquia, há uma sensibilidade e uma maturidade emocional ainda raras em produções do tipo.
O argumento que move a história é mesmo cínico, basicamente a admitindo como um produto reciclado que se sustenta e justifica apenas pelo mérito do antecessor. Lightyear é, no universo fictício de Toy Story, o live-action que inspirou o boneco dado a Andy, lá nos anos 1990. Levar muito a sério esse ouroboros metalinguístico não faz nenhum favor à produção, já que qualquer pretensão de parecer um blockbuster noventista se perde em um didático (mas preciso) cuidado com diversidade e representatividade — bem mais característicos do cinema de hoje. Só que os roteiristas Jason Headley e Angus MacLane (que também dirige a produção) trabalham em uníssono para rapidamente descartar essa seriedade e frisar que, justificativas canônicas à parte, este também é um filme sobre um boneco, que quer mesmo é te divertir.
A impressão inicial é, portanto, de estranheza, porque o traço da Pixar nunca foi tão fotorrealista quanto em Lightyear. Enquanto cenários espaciais, criaturas alienígenas, aparelhos eletrônicos e até armamentos tomam forma de maneira tão palpável, Headley e MacLane têm de sustentar um texto que não só dialoga com o universo mais lúdico de Toy Story, mas também ajuda o público a embarcar nessa forçação de barra narrativa o mais rápido possível. O que os permite conseguir isso logo no primeiro ato do longa é uma investida tão sensível quanto destemida no melodrama, reminiscente da devastadora abertura de Up - Altas Aventuras (2009). Estabelecendo desde o minuto inicial uma cativante amizade entre os patrulheiros espaciais Buzz Lightyear (Chris Evans) e Alisha Hawthorne (Uzo Aduba), a dupla de roteiristas consegue combustível para que o filme se sustente sozinho a partir de um simples, mas eficientemente doloroso, revés nessa relação.
Como mostrado nos trailers, Lightyear mergulha em tropos de viagem no tempo, não ironicamente colocando Evans mais uma vez na pele de um homem fora de época. Aqui, cabe uma digressão: a escalação do ator é acertadíssima não só por isso, mas também porque há no filme uma exaltação ao militarismo idealizado, reminiscente da saga Jornada nas Estrelas e tão bem personificado pelo astro e sua aura de bom moço americano. Voltando ao filme, é curioso como uma aventura familiar da Pixar acaba oferecendo uma versão mais emotiva do mesmo drama que Christopher Nolan aborda em Interestelar (2014). O que distancia ambos nessa abordagem é que Lightyear, como é típico ao estúdio, entende o cinema como uma arte subjetiva e não exata, poupando o espectador de grandes dissertações sobre a ciência, e dedicando os esforços necessários para que as emoções de seus personagens ressoem de maneira profunda com o público — e não se resumam a meras cenas de choro constrangedoras.
Pixar/Divulgação
Assim, quando lança Buzz em uma jornada pelo tempo e principalmente pelo espaço, Lightyear garante que o inegável espetáculo visual e de ação construído em tela pelos animadores da Pixar seja embasado em uma profundidade emocional que não nega a grife Toy Story. É a melhor saída para uma história em que nada além disso é exatamente excepcional, incluindo aí os personagens de apoio. Se Izzy (Keke Palmer) e SoX (Peter Sohn) são memoráveis, Darby (Dale Soules) e Mo (Taika Waititi) acabam sacrificados por piadas só ocasionalmente engraçadas — e o apressado confronto com o vilão Zurg (James Brolin) apenas flerta com um conflito ético profundo, sem dar a ele o tempo necessário para germinar em algo mais impactante. Sem conseguir ser revolucionário, o filme ao menos é feito emocionante e divertido o bastante para ser memorável, com suas muitas referências ao Buzz que já conhecíamos, a Star Wars e a outras grandes marcas da ficção científica (até Gravidade, de 2013, leva sua menção).
Felizmente, Lightyear não merece só juntar pó na prateleira.