Embora Cala a Boca Philip (Listen Up Philip, 2014) seja apenas seu terceiro longa-metragem, o diretor e roteirista Alex Ross Perry já é conhecido em festivais de cinema por suas comédias que usam a misantropia como combustível de humor. Aqui ele encontra na figura de Jason Schwartzman - ator que sabe jogar bem com a autodepreciação desde que despontou em Três é Demais em 1998 - um canal ideal de expressão.
listen up philip
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Schwartzman vive Philip Lewis Friedman, e a ótima narração em off do ator Eric Bogosian já adianta que Philip é um misantropo metropolitano típico, daqueles que perdem a cabeça porque as pessoas andam devagar demais à sua frente na rua. Philip é escritor. Começa o filme como romancista estreante e termina como professor - toda uma jornada de ascensão profissional que, para infelicidade geral, não vem necessariamente acompanhada de redenções do espírito.
"Minha vida ficaria mais difícil se as pessoas me vissem de forma diferente", defende-se Philip diante da ex-namorada (e diante da atual, diante do seu mentor, de amigos, diante do mundo) quando se vê forçado a repensar seu temperamento. O que há de irresistível no filme de Perry é que Philip não assume para si o tormento de viver alienado de tudo sem saber o custo disso. Não é um protagonista que ignora sua própria condição, pelo contrário: Philip sabe disso, e faz da sua miséria, ficção.
Para além de tornar Philip um tocante anti-herói trágico, então, Cala a Boca Philip é um filme que parece traduzir muito bem o que há de idiossincrasias na vida de renúncias de um escritor ficcionista. É curioso que em momento nenhum Perry nos diga do que tratam os livros de Philip. Não sabemos o que ele escreve, que histórias inventa. Temos acesso apenas ao julgamento: o segundo livro não é melhor que o primeiro, na opinião do autor.
Que uma pessoa se veja obrigada a viver nesse estado interminável de vigília, como se o mundo e as pessoas formassem um grande superego compartilhado, é o que torna Philip uma figura trágica tão interessante. Ao estender isso aos outros personagens principais (o roteiro dedica tempo a eles e é espertamente organizado como um falso filme-coral) e ao ampliar a geografia desse mundo (como se o superego se diluísse de Nova York até o campo e até a faculdade, num trajeto que permite aos personagens respirar e se conhecer), Perry torna a penúria de Philip uma história de todos nós, particularmente de como lidamos em conflito com ideais de sucesso e felicidade.