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Filmes

Crítica

Longlegs faz jogo de ilusionismo que convida expectativa e frustração

Oz Perkins volta à dinâmica entre o realista e o sobrenatural, agora com pretensões maiores

28.08.2024, às 18H34.

Longlegs - Vínculo Mortal se passa no começo dos anos 1990 porque o diretor e roteirista Osgood Perkins desejava emular O Silêncio dos Inocentes (1991), o thriller de assassino serial que deu o tom para boa parte dos filmes policiais produzidos desde então nesse subgênero. Na prática, isso significa apenas que as cenas em escritórios do FBI terão uma repetição curiosa de retratos do ex-presidente americano Bill Clinton. Ninguém se comporta em Longlegs particularmente como jovens ou adultos da Geração X, à exceção de um ou outro sintoma de apatia.

Uma razão disso (caso Perkins fosse convocado a se explicar) seria talvez o fato de tudo em Longlegs ser isolado do mundo. Casas, celeiros, lojas de materiais, edifícios - transcorrem-se viagens para ir de um lugar a outro no filme, e mesmo a vizinhança de subúrbio que aparece no início de Longlegs parece mais um cenário de maquete do que um espaço de fato habitado. O contato humano é mínimo, e mais uma vez Perkins mostra sua predileção por uma peça do passado, os telefones pagos de discar, fixos na parede, para denotar no mundo analógico a distância entre as pessoas.

O número de personagens deve totalizar pouco mais de meia-dúzia nessa trama sobre uma investigadora do FBI, Lee Harker (Maika Monroe), que sobreviveu a um contato com o tal Longlegs na infância e agora está encarregada de encontrá-lo para resolver uma série de homicídios. A comparação com a dinâmica Clarice Starling/Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes é óbvia, mas Longlegs não a esgota até se aproximar do seu clímax, e dose considerável do impacto ou da frustração que isso gerar no espectador vem do fato de Longlegs apostar tudo na expectativa desse encontro.

Perkins faz o seu melhor na preparação. Ele está aqui rodando novamente no interior do Canadá, onde produziu filmes como A Enviada do Mal (2015) e O Último Capítulo (2016), e poucos diretores de horror hoje em dia traduzem tão bem quanto ele os bosques nevados, as casas isoladas, as estradas e as distâncias desses cenários como signo de desamparo. A confiança nessa paciente preparação rende poucos planos por cena; os zoom-ins e as panorâmicas dinamizam essa revelação dos espaços, que no mais ganham em tensão pela própria economia de cortes: cada contraplano é um pequeno evento em si e pode desvelar o pior dos horrores sem aviso.  

Esse controle do espaço cênico e do corte é fundamental também para que o próprio Longlegs se torne uma figura sobre-humana diante dos nossos olhos. Até que a maquiagem completa sobre o rosto de Nicolas Cage seja revelada para o espectador, o personagem permanece fugidio nos ângulos de câmera e nos tempos dos planos. E afinal, quem é Longlegs? Dado seu nome, esse personagem nunca será compreendido por completo: “long legs” vem da perspectiva de uma criança que, diante de um homem adulto, só lhe enxerga suas pernas. A incompletude lhe define e daí vem a atração primeira do seu mistério.

Ora, isso pode se tornar um problema para Perkins na medida em que todas as peças do seu quebra-cabeças - e não são poucas - convergem para uma resolução totalizadora, como pedem os thrillers de investigação. O satanismo. O gosto por glam rock. As bonecas possuídas. A coincidência da numerologia. A geometria na folha de papel. Tudo soa mitológico e prenunciativo em Longlegs. Joga-se tudo no suspense de uma performance futura que unirá e justificará tudo isso. Nicolas Cage não foge dela, e na cena do interrogatório seu personagem conjura a mania numa chave muito bem equilibrada entre o familiar e o críptico. Ainda assim, atender a toda essa construção talvez seja muito a exigir de um personagem definido, em boa medida, pela completude interrompida.

É evidente que o Mal não precisa ser explicado e justificado. Longlegs está pegando emprestado um ou outro ensinamento de O Iluminado (1980) não apenas nos seus movimentos de câmera mas também nesse gosto pela perplexidade do inexplicável. O sobrenatural em Longlegs, relembrando Kubrick, pode simplesmente se manifestar a partir do registro realista, contanto que essa manifestação saia orgânica em cena. Perkins soube fazer isso melhor em A Enviada do Mal - onde o realismo aos poucos se contamina de sobrenatural - e em Longlegs a virada de chave soa mais como uma saída de emergência para um filme que não soube direito onde chegar no seu truque de ilusionismo. 

De qualquer forma, é um prazer acompanhar como Oz Perkins (por enquanto ainda acompanhado do epíteto de “filho de Anthony Perkins”) se aproxima do cinema de gênero a partir de uma certa memória cinefílica, ao invés de um maneirismo deslocado de suas referências. Se ele emula O Silêncio dos Inocentes, ou mesmo se decide chamar a sua heroína de Harker (sobrenome caro para qualquer autor de ficção independente da sua inclinação para o gótico), não está fazendo por um propósito elevado além da própria consumação dos seus gostos. Ele se aproxima de Jordan Peele e Mike Flanagan nesse sentido, autores atraídos ao horror como uma permissão insuspeita para o passional.

Nota do Crítico
Bom