Ninguém em plena consciência diria que Irreversível (2002) é um filme excitante, apesar da exuberância de Monica Bellucci impregnar cada instante do filme mais conhecido do diretor Gaspar Noé. Da mesma forma, é recomendável desconfiar das coisas que envolvem Love, mais recente trabalho de Noé, vendido como uma afrodisíaca experiência em 3D com suas cenas de sexo explícito "de arte".
Na trama, Murphy (vivido pelo americano Karl Glusman) recebe uma ligação da mãe de Electra (a modelo suiça Aomi Muyock), uma ex-namorada que até hoje o assombra. Diz a mulher pelo telefone que Electra está sumida há meses, e Murphy começa a desconfiar que ela pode ter se suicidado. Essa perspectiva dispara em Murphy um misto de remorso, rancor e reminiscências afetivas que se desdobra no filme de forma não-linear, à medida em que voltamos ao passado para conhecer a vida (sexual, principalmente) e Electra e Murphy juntos.
A menção a Irreversível é oportuna porque não só a jornada ao passado mas principalmente a pesada carga moral de Love remetem ao longa de 2002. Caso trabalhasse em Hollywood, Noé seria incapaz de realizar um filme americano tradicional, porque o instituto da segunda chance na vida é absolutamente negado aos seus protagonistas, forçados a viver para sempre com a culpa por seus erros. Para Noé, o pecado é de fato a ruína do Paraíso (cenário bucólico que é o ponto final da jornada tanto em Irreversível quanto em Love, nos parques de Paris).
Nesse arco de regressão, que inclui imagens de Murphy em posição fetal sob uma maternal luz vermelha, como se voltasse mesmo a ser um infante, como seu filho pequeno, o 3D funciona menos como uma ferramenta de imersão e mais como instrumento para ressaltar o isolamento do protagonista. Ao remover Murphy do contexto (ele quase sempre fica enquadrado no meio do plano, estático, numa camada do 3D à frente de todo o entorno), Noé torna mais claustrofóbico o estado de transe que acompanha o personagem ao longo do filme.
Esse estado de transe transpira para as cenas de sexo, e é inegável que Gaspar Noé consegue algum sucesso no seu intento de tornar a relação explícita em Love não uma prática puramente física, automática e impessoal - como nos pornôs - mas uma expressão de um diálogo (mesmo quando o sexo entre Murphy e Electra é ditado pela alienação) e de uma visão de mundo. E aí vai muito da disposição do espectador em aguentar 135 minutos do fatalismo (e dos sarcasmos metalinguísticos) de Noé, que depois de Irreversível volta aqui a fazer do sexo, na sua face mais doentia, um exercício não de cumplicidade mas de anulação do outro.