O mito de que os humanos usam apenas 10% do cérebro circula desde o século XIX. Segundo a Superinteressante, especialistas atribuem sua difusão à deturpação de pesquisas neurológicas e aos defensores da paranormalidade: o uso total da capacidade cerebral caberia àqueles capazes de levitar, ler mentes e entortar garfos a distância. Aos pobres mortais e suas atividades diárias sobrariam apenas um décimo da “força do pensamento”.
Lucy
Lucy
Sem concluir o que são os 100% de atividade cerebral, conferir qualquer porcentagem seria cientificamente leviano. Usamos, sim, grande parte do nosso cérebro e mesmo a menor das lesões pode causar danos graves e irreversíveis. Em Lucy, porém, Luc Besson opta pelo quê dramático da pseudociência. Para aproveitar os 89 minutos de ação desenfreada (visual e física) é necessária a suspensão da lógica. Logo, usamos 10% do cérebro, os golfinhos são os animais mais inteligentes da Terra e uma droga sintética poderia nos transformar em seres capazes de transcender a realidade por mero capricho do destino.
Aceitos os termos, o filme se torna eficiente, consolidando o poder de Scarlett Johansson como heroína de ação e protagonista. Parte do sucesso do longa (que foi rodado por US$ 40 milhões e já soma US$ 217 milhões pelo mundo) se deve ao apelo da atriz. Sua presença dá sustância a uma personagem que passa rapidamente de piriguete a gênio. O peso de Morgan Freeman, o cientista que didaticamente explica a ingênua teoria que corrobora a trama, também colabora para tornar aceitável o que na prática seria risível.
Com passagem pela exótica Taiwan, perseguições na contramão pelas ruas de Paris, homenagens a 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e trechos visualmente filosóficos à la Koyaanisqatsi - Uma Vida Fora de Equilíbrio (1982), Lucy é uma satisfatória experiência pipoca e deve ser consumida como tal. O longa perde força no terceiro ato, em um desfecho metafísico ainda mais questionável que a ideia dos 10%, mas Besson criou uma nova heroína para o cinema, digna das suas personagens em Nikita - Criada Para Matar (1990), O Profissional (1994) e O Quinto Elemento (1997). Mulheres fortes que emergem da violência masculina e mantém a delicadeza ao empunhar metralhadoras e afins.