Cena de Lula (Reprodução)

Filmes

Crítica

Lula é um recap intensivão de Brasil pelas mãos de um gringo emocionado

Para o bem e para o mal, filme representa uma perspectiva muito específica

19.05.2024, às 18H03.
Atualizada em 20.05.2024, ÀS 03H17

Documentários brasileiros sobre a tumultuada última década política do país não faltam - e suas abordagens são tão diversas quanto se poderia esperar. Democracia em Vertigem trouxe Petra Costa internalizando o passo a passo do impeachment e repetindo absurdos que já conhecíamos, O Processo encontrou insights únicos sobre a inversão de poderes entre partidos de esquerda e direita, e ainda tivemos Alvorada, Excelentíssimos, O Muro, Extremistas.br, e por aí vai. É natural, enfim, que os cineastas de um país transformem em celulóide, e em narrativa (porque documentário também é narrativa), um processo de repercussões tão encompassadoras para a sua vivência e o destino de seus compatriotas, cada um com sua perspectiva e suas oportunidades únicas de material.

Lula se aproxima dessa lista por temática, mas é um bicho completamente diferente. O motivo é a direção, assinada por Oliver Stone e Rob Wilson, dois estadunidenses cujos egos, interesses e histórias pregressas informam e muito o produto final. Um exemplo simples: com o seu acesso ao presidente (então candidato) Luiz Inácio Lula da Silva limitado ao que parecem ser duas sessões de entrevista, Stone tira um tempo para interrogar como foi a relação do ex e futuro chefe de Estado brasileiro com os dois presidentes estadunidenses que estiveram na Casa Branca durante seus mandatos, George W. Bush e Barack Obama. É uma seção do documentário que não deixa de ter seu interesse, mas que jamais existiria - ao menos, dentro de um corte final - caso o diretor fosse brasileiro.

Essa diferenciação óbvia e até inevitável oscila entre efeitos positivos e negativos durante todo o filme. Em um momento, Lula está recapitulando pedaços da história do Brasil que só servem mesmo para informar o público gringo desavisado - não falo nem da recapitulação da história de vida do presidente, ou de sua articulação política nos anos que passou em Brasília, mas mais de pormenores do processo de impeachment de Dilma Roussef e do mandato de Jair Bolsonaro. Na ânsia simultânea de fazer síntese do in-sintetizável e deixar claros os motivos pelos quais o público deve se sentir ultrajado - e com quem -, Stone e Wilson acabam falando de (quase) tudo, mas (quase) sempre só na superfície.

Em outros trechos, enquanto isso, o olhar de fora para dentro se presta a uma perspectiva mais globalizada, que insere Lula e sua trajetória no contexto do vai-e-vem de poder na América Latina, na transmutação constante do imperialismo contemporâneo, até no contínuo de delatores que se voltaram contra a injustiça em instituições públicas e privadas. Que Lula se concentre em localizar o seu sujeito político em todos esses entornos é uma consequência direta da nacionalidade dos responsáveis pelo filme - um toque de autoralidade e enquadramento narrativo que outros documentários sobre o mesmo tema, angustiados pelos abalos sísmicos sentidos nos corredores internos de poder brasileiros durante os últimos anos, não estavam interessados ou aptos a prover.

Essas são as fagulhas de interesse que o filme de Stone e Wilson consegue acender. Lá pelo miolo da metragem, em uma seção mais guiada por imagens de arquivo (incluindo uma entrevista anterior com o presidente, já vista no documentário Ao Sul da Fronteira, também de Stone), o impulso para a contextualização global e a montagem ágil são o bastante para fazer de Lula um pedaço bem interessante de recapitulação histórica, e até de entretenimento. Perto disso, as partes mais apoiadas na conversa de Stone com Lula empalidecem, seja pela insistência vaidosa do cineasta em aparecer no frame a quase todo momento ou pelo ritmo truncado, mediado, de um diálogo meio desencontrado em termos de expectativa ideológica.

Lula, enfim, vai parecer ao espectador brasileiro exatamente como é: um intensivão de história recente do seu país pelas mãos de um senhorzinho gringo boa praça, bem intencionado, valoroso em seu senso de justiça inflexível (até demais) e seu conhecimento histórico - mas, apesar de tudo isso, ainda irremediavelmente gringo.

Nota do Crítico
Bom