Chris Evans, Andy Garcia e Emily Blunt em Máfia da Dor (Reprodução)

Filmes

Crítica

David Yates faz de Máfia da Dor uma nulidade cinematográfica

Diretor estrangula todo e qualquer indício de estilo, e script não convence por si só

27.10.2023, às 17H10.

David Yates está fazendo grandes filmes comerciais há mais de 15 anos; a sua estreia na tela grande foi Harry Potter e a Ordem da Fênix, em 2007. Seja por sua permanência insistente na franquia do bruxo (todos os seis filmes lançados após Ordem da Fênix foram assinados por ele), seja por A Lenda de Tarzan e, agora, Máfia da Dor, era de se esperar que esse tempo todo nos tivesse dado algum insight sobre o seu estilo como artista, as suas obsessões estéticas ou tendências de linguagem. Mas, reveladoramente, não é o caso - é difícil, eu diria até impossível, dizer o quecaracteriza um Filme de David Yates™, de tal forma que talvez a ausência de estilo seja mesmo a sua assinatura.

Mas até levar essa proposição adiante seria um engodo diante do absoluto tédio que ele nos serve em Máfia da Dor, produção da Netflix onde Chris Evans e Emily Blunt interpretam representantes de vendas para uma grande empresa farmacêutica corrupta. Trata-se de uma história real, embora os nomes dos personagens, companhias e produtos tenham sido mudados, e também de uma história oportuna - não é à toa que o cinema e a TV americanos têm gravitado em torno de tramas sobre a indústria farmacêutica diante de uma crise de opioides que se revelou, nos últimos anos, um dos maiores males sociais do país.

Entre as muitas abordagens audiovisuais que já vimos do capitalismo tardio desenfreado causando ruína na vida de gente comum (a extravagância cômica de O Lobo de Wall Street, o horror grotesco de A Queda da Casa de Usher, a paródia datada de The Dropout, o docudrama rigoroso de Dopesick), Máfia da Dor escolhe… nenhuma delas. Se Yates se aproxima mais de um gênero, é do telefilme procedural, resgatando enquadramentos rígidos, cores mudas e direção de arte polida de seus dias de TV britânica. O que essas escolhas transmitem é uma frieza econômica que talvez tenha sido pensada para qualificar o filme como análise desafetada do tema que aborda, mas que no fim das contas só o faz… bom, frio e desafetado, no pior sentido possível.

E é uma pena, porque o roteiro do estreante Wells Tower (com base no livro de Evan Hughes) até encontra material cativante para minar de uma história que já vimos contada tantas vezes antes. No papel, a personagem Liza Drake (Blunt) é a representação mais inteligente da banalidade absoluta deste mal que assombra o século XXI, o símbolo mais perfeito da retroalimentação de desgraça que caracteriza nossos tempos enlouquecedores. Deixada para trás por um sistema habituado a deixar milhões para trás, ela é consumida pela necessidade de obter uma segurança e um respeito que só existem quando você se torna a pessoa que passa os outros para trás.

Blunt, como a ótima atriz que é, agarra cada oportunidade de expressar esse desejo insaciável da personagem, essa receita intragável de culpa, ganância e instinto de sobrevivência que guia cada uma de suas decisões. Mas até ela se vê limitada pelas paredes estreitas do mundo insosso criado por Yates, que também aprisionam as caricaturas promissoras ensaiadas por Evans e Andy Garcia - especialmente este último, que usa o seu indiscutível charme como arma na hora de criar um bilionário excêntrico que se revela, bem aos poucos, tão maligno quanto qualquer outro.

Enfim, havia caminhos sólidos e seguros para fazer de Máfia da Dor uma adição interessante ao cânone de filmes e séries sobre a crise dos opioides, ou mesmo ao de obras audiovisuais sobre enganações capitalistas mirabolantes. A história é contada de um ponto de vista único, e desvela ânsias humanas que ainda não entraram - não de verdade - no cardápio desses subgêneros. O problema foi mesmo o homem escolhido para ficar no comando: David Yates, buraco negro de estilo e herdeiro do famoso academicismo inglês no que ele tem de mais desinteressante, merece tão pouco essa posição de poder quanto boa parte dos CEOs por aí.

Nota do Crítico
Regular