Malévola foi concebida como a “senhora de todo o mal” e, desde 1959, reinava como a mais cruel e poderosa das vilãs da Disney. Em 2010, porém, o estúdio decidiu destituir a personagem do seu posto. Seu nome podia evocar a crueldade daquela que, por despeito, condenara uma bela princesa ao sono eterno, mas sua verdadeira história não era assim tão maniqueísta.
Para transformar a antagonista em heroína, contrataram Linda Woolverton, responsável pelos roteiros de A Bela e a Fera, O Rei Leão e do Alice no País das Maravilhas. Robert Stromberg, mais conhecido por seu trabalho como designer de produção em Avatar, Alice no País das Maravilhas e em Oz: Mágico e Poderoso, faria sua estreia na direção, assumindo o posto recusado por Tim Burton, David Yates e David O. Russell.
O nome essencial para a criação da nova Malévola, entretanto, foi Angelina Jolie. A atriz, citada já nos primeiros estágios do projeto, assumiu sobre seus ombros o peso da produção, cuidando pessoalmente de cada detalhe da sua personagem. Sua encarnação é precisa. Honra o filme original, acertando o tom malicioso da dublagem de Eleanor Audley, e é tão elegante quanto os traços definidos pelo animador Marc Davis. Ainda assim, sua Malévola não é um cosplay requintado. Jolie domina cada fala, se diverte, criando um trabalho único. É uma pena, então, que o seu esforço não encontre um filme à altura.
Logo nos minutos iniciais, Stromberg apresenta o espalhafatoso reino dos Moors. Um mundo que, apesar da natureza exuberante, é habitado por criaturas em computação gráfica sem carisma. Malévola, então uma garotinha (Isobelle Molloy), protege a floresta encantada da inveja dos homens. Aqui, a personagem troca o maligno preto por tons terrosos e seus já conhecidos chifres são acompanhados por asas. A história da fada-anjo se transforma quando ela conhece Stefan (Michael Higgins na infância e Sharlto Copley na vida adulta). O jovem humano ganhará sua confiança, jurará “amor verdadeiro” e a enganará para passar de reles plebeu a rei.
Malévola, portanto, não é mais uma fada-madrinha ressentida por não ser convidada para uma festa, é uma mulher traída. Quando lança a famosa maldição contra a filha de Stefan, a princesa Aurora (Elle Fanning), ela busca vingança contra aquele que roubara a sua inocência. Essa transição de boa para má é brusca. Um punhado de cenas que muda didaticamente o seu figurino, mas não desenvolve o seu estado emocional. Com 97 minutos, o filme se afoba para percorrer o arco de mocinha-vilã-heroína e esquece de dar a prometida tridimensionalidade a sua história e aos seus personagens.
As fadas Fauna, Flora e Primavera, rebatizadas Thistletwit (Juno Temple), Knotgrass (Imelda Staunton) e Flittle (Lesley Manville), perderam completamente o encanto, por exemplo. Seja nas suas versões bizarramente reduzidas em computação gráfica, ou nos seus disfarces “civis”, que usam para criar a princesa longe do castelo e protegê-la da maldição, as três personagens são exageradas e servem apenas como ponte para criar a ligação maternal entre Aurora e Malévola.
A princesa, apesar do talento de Fanning, também não consegue o espaço necessário para se desenvolver. Quando chega à adolescência é apenas uma menina excessivamente ingênua, que não esboça qualquer reação ao descobrir que seu pai é o grande vilão da história. Dieval (Sam Riley), o metamorfo ajudante de Malévola, também merecia mais tempo em cena. Não fossem tão rápidas, suas interações com Jolie, além de criar um alívio cômico pontual, dariam corpo à revelação da verdadeira índole da protagonista.
Malévola é fruto de uma nova safra da Disney que repensa seus clássicos para educação de uma nova geração, descartando arquétipos de princesas frágeis e heróis galopantes que salvam o dia com um beijo. Depois de Alice no País das Maravilhas e Frozen, foi vez da rainha das vilãs revelar ao público que existem outras formas de “amor verdadeiro” além daquelas que oferecem os príncipes encantados. Ainda que a intenção seja louvável, na pressa para criar uma nova moral, Malévola esqueceu de contar uma boa história.