Paul Thomas Anderson nos deixou cinco anos esperando pelo seu próximo filme, mas O Mestre (The Master) compensa cada minuto da angustiante expectativa.
The Master
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The Master
Seu sexto longa-metragem se inspira nas origens da Cientologia - o famoso culto que encontrou em Hollywood o local ideal para seu enraizamento (e em Tom Cruise seu maior porta-voz). Diferente do filme-denúncia que muitos esperavam, porém, o drama é mais uma exploração das origens dos cultos e busca em L. Ron Hubbard, criador dessa igreja, apenas um ponto de partida.
Muito mais do que isso, O Mestre é um drama sobre a vida à margem da sociedade em dois níveis. Nos EUA pós-Segunda Guerra Mundial, em que soldados retornam para casa sem perspectiva e com anos de seu crescimento roubados pelo conflito, encontramos Freddie Quell (Joaquin Phoenix), sujeito que vai de emprego em emprego, abraçando a garrafa e criando problemas.
Com uma interpretação assombrosa, daquelas que definem carreiras (como se Phoenix precisasse de mais uma, mas aqui a tem), o ator se retorce dentro do corpo de Freddie, um homem cuja alquebrada forma exterior (totalmente criada a partir de atuação) reflete o que ele tem dentro de si: agonia e miséria. É um prazer assistir a ele no papel.
Durante uma fuga causada em função de uma bebedeira, Freddie acaba invadindo um barco de luxo prestes a zarpar. Algum tempo depois é encontrado pelos seu "anfitrião", Lancaster Dodd, o "Mestre" do título, vivido por Philip Seymor Hoffman. Fascinado pela simplicidade carismática de Freddie e vendo nele uma espécie de cobaia, o hipnótico líder do culto o inicia nos mistérios de sua teoria sobre seres interplanetários de milhões de anos, viagens da consciência através do tempo e outras ideias retiradas da ficção científica e colocadas em um contexto de auto-ajuda.
As sequências em que o Mestre submete Freddie aos primeiros passos do culto são poderosíssimas e aflitivas. Hoffman, com a competência que já demonstrou inúmeras vezes, repete aqui o tipo loquaz manipulador, de temperamento explosivo sob uma superfície calma, que sempre faz tão bem, com veias explodindo e rosto inchando de sangue. Com Phoenix inspiradíssimo do outro lado da mesa, os embates fluem durante longos minutos, quase em tempo real, fazendo o espectador (literalmente) não piscar.
Rodado em belíssimos 70mm, o filme está encontrando dificuldade de exibição no seu formato original, mas se você tiver a oportunidade, não deixe de assisti-lo assim. A qualidade da mídia, que evidencia a cinematografia de Mihai Malaimareh Jr. (que trabalhou nos últimos filmes de Coppola), nessas condições ideais, é a melhor que já tive o prazer de ver no cinema. O trabalho de foco, de estreitíssima profundidade de campo, faz saltar poros e texturas, dando uma proximidade quase incômoda aos retratados. Nos cenários, funciona como hiperrealismo, fazendo com que as locações e pessoas pareçam tão alienígenas e reais, quanto o Mestre insiste que são.
Há ainda a mágica trilha sonora de Jonny Greenwood (que já trabalhou com Anderson em Sangue Negro), que acompanha a ação dando mais uma camada de estranheza ao filme. A música tem um tempo particular, uma utilização nada convencional, ora dando suporte à ação, ora tirando sua legitimidade.
Etéreo em momentos, mas claro e fácil de seguir quando a trama avança, O Mestre é sofisticado em sua execução e maduro em suas intenções. Uma obra que desde já encontra seu espaço entre os grandes filmes contemporâneos, talvez da história da arte.