O Cinema Novo nasceu como contraproposta à Chanchada. Na década de 60, para deixar clara a oferta de inovação cinematográfica, os intelectuais brasileiros não poupavam adjetivos pejorativos para classificar as comédias populares da Atlântida e Cia. Não importava se o filme tivesse qualidades (mais tarde reconhecidas pela escola sob influência do Tropicalismo), a regra era escrachar o escrachado.
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O movimento se repete agora, com muito menos apelo político/intelectual e sem proposta, graças ao excesso de comédias no circuito comercial nacional. Há mérito na crítica, assim como havia nos anos 1960, mas o fator generalizador da opinião "pseudointelectualelitista" (que adora gritar a plenos pulmões, e por todos os meios, que cinema brasileiro não presta), acaba por prejulgar produções que, apesar do rótulo, não caem nos deméritos do gênero.
Mato Sem Cachorro entra nessa defesa. O filme de Pedro Amorim é, em suma, uma boa comédia romântica, que se serve do molde consagrado e o domina. Quem assiste ao longa, mesmo que na má vontade, encontra um vigor perdido no humor brasileiro, em uma saudosa mistura de Armação Ilimitada com TV Pirata.
A trama foca nas desventuras de um casal (Bruno Gagliasso e Leandra Leal) e seu cachorro narcoléptico, que desmaia sempre que fica animado. Depois de levar um pé na bunda, ele perde a guarda do cão e decide sequestrar o bicho com a ajuda do primo (Danilo Gentili). A química entre Gagliasso e Leal casa com a agilidade da edição, que exige que o expectador acredite logo que os dois são feitos um para o outro. A presença de Gentili, na sua estreia no cinema (um pouco inseguro e um pouco à vontade demais), serve de corpo estranho na dinâmica do romance, ajudando o primo a sair da inércia.
O roteiro, escrito por André Pereira, com pitacos de Amorim, Malu Miranda e Gentili, é um quebra-cabeça de referências pops - que vão de Sandy a Cláudia Ohana. Ainda que rendam boas cenas - como na quase secreta aparição de Elke Maravilha ou na desbocada personagem de Gabriela Duarte - o excesso de participações especiais quebra o ritmo do filme (seguindo o modelo das aventuras cinematográficas dos Trapalhões). Na maior parte do tempo, porém, o time de roteiristas dá prioridade à narrativa e consegue costurar piadas e influências externas naturalmente.
Apesar da aparência de filme de cachorro - tendo inclusive contratado um "ator" hollywoodiano para encarar os desafios da complexa narcolepsia canina - o longa ganha crédito é na sua qualidade musical. Amorim transformou suas frustrações como músico (o diretor tem formação clássica, tocava bateria em uma banda de death metal e comandava outra banda de mash-ups) no dom que acaba por dar pedigree ao personagem vira-lata de Gagliasso. Incorporado à trama, o talento rende boas cenas e boas misturas musicais, principalmente as que envolvem o divertido personagem de Felipe Rocha e sua banda, a Sidney e Suas Cópias.
Mato Sem Cachorro é um bom trabalho que merece ser visto para estabelecer um novo padrão nas comédias brasileiras. Com muitas fofices, uma cuidadosa direção de arte, uma montagem ágil e um pouco de nonsense, Amorim mostra como ser engraçado e acessível, sem apelar. A neochanchada pode ser lucrativa, mas não precisa subestimar o público.