A24/Divulgação

Filmes

Crítica

MaXXXine fecha trilogia com Mia Goth no conforto do pastiche

Terceiro filme se justifica revisitando o código aberto do giallo

11.07.2024, às 18H40.
Atualizada em 11.07.2024, ÀS 18H51

Por vias tortuosas e um opaco senso de propósito, o diretor Ti West fez de X e Pearl um díptico de violência gratuita em 2022, negociada a baixo custo nas brechas de dois gêneros que são “baratos” por sí só - respectivamente, o terror rural e o melodrama sulista. Não há transgressão que se vislumbre nesse escape da violência se ela se nivela, em facilidade e imediatismo, ao sexo encenado no celeiro ou às emoções delirantes da jovem Pearl - o que esses dois filmes oferecem, em última instância, é uma violência desperdiçada.

No caso de MaXXXine, pelo menos em teoria, a violência parece melhor contextualizada para além da provocação de iconoclastia. Estamos nos anos 1980, afinal, e a montagem jornalística no início do filme explica por que os EUA atravessam um período de medo, desconfiança e cinismo. Em Los Angeles, Maxine (Mia Goth) se prepara para dar o grande salto da sua carreira, quando ela deixa o pornô para estrelar seu primeiro longa-metragem sério, com a benção da diretora Elizabeth Bender (Elizabeth Debicki) - a única pessoa que parece enxergar algo concreto na convicção cega de Maxine.

O que Bender enxerga nela é difícil de ler. De qualquer forma, toda a trilogia é construída por Ti West a partir dessa ideia de que o olhar de Mia Goth, por desvairado que seja, tem plenas condições de dar forma à realidade em sua volta. Basta que Mia Goth sorria, sinistramente, e faça materializar. A isso nós hoje podemos até chamar de empoderamento, e Ti West justifica a existência de MaXXXine na medida em que alinha o filme a toda uma tradição de girl power nascida no sexploitation, cujo período e estética a trama evoca.

Há algo de inócuo, porém, em encenar um exploitation tardio em 2024 depois que Hollywood (e o cinema marginal americano) já revisitam essas narrativas há quase 50 anos. Quando Brian De Palma pegava emprestadas as ferramentas do giallo setentista para brincar de Alfred Hitchcock em Vestida para Matar (1980), ele já estava fazendo prioritariamente um mergulho de desconstrução do passado. Hoje parece impossível para Ti West filtrar toda essa história - que precisa considerar tanto Hitchcock e o giallo quanto De Palma e toda metanarrativa posterior de Hollywood sobre si mesma - sem apelar para o ridículo. O primeiro psicopata no caminho de Maxine não aparece vestido de Buster Keaton por acaso.

A favor de MaXXXine, é preciso dizer que o ridículo funciona. Kevin Bacon faz a sua melhor imitação de Jack Nicholson para viver um detetive particular seboso em homenagem a Chinatown (1974), enquanto a cena que passa pelos velhos cenários do Bates Motel tem a absoluta insolência de evocar Psicose (1960) numa sugestão barata de jumpscare. De pastiche Ti West entende, e inclusive seus melhores filmes, como Hotel da Morte (2011) e No Vale da Violência (2016), partem do pastiche de gênero para encontrar o que de verdadeiro restou nesses códigos desgastados e descontextualizados pela repetição. 

O que de verdadeiro nesses códigos pode ser encontrado em MaXXXine que um filme como Era uma Vez em Hollywood (2019), por exemplo, possa ter deixado passar cinco anos atrás? West nunca atribuiu a si mesmo uma autoridade de historiografia da mesma forma reiterada com que Quentin Tarantino revisita o cinema dos anos 1970. O seu prazer pelo vermelho soa muito mais descomplicado e até casual na comparação, como descomplicado era o uso do vermelho quando o giallo transformou o terror num exercício antes de tudo estético. Mas descomplicado não é sinônimo de gratuito, e se a franquia de Maxine seguir adiante talvez fosse o caso de Ti West pesar enfim a diferença entre os dois.

 

Nota do Crítico
Regular