Não deixa de ser irônico que os heróis trágicos do diretor José Eduardo Belmonte, como o Léo de Se Nada Mais Der Certo (2008) e Elias em Meu Mundo em Perigo (2007), sejam jornalistas. São, em teoria, as pessoas mais preparadas para lidar com as palavras, mas se veem em situações de incomunicabilidade.
meu mundo em perigo
meu mundo em perigo
Em Meu Mundo em Perigo, prêmio da crítica no Festival de Brasília de 2007 - que só agora está chegando aos cinemas, acompanhado de uma retrospectiva da obra de Belmonte no Belas Artes de São Paulo, com filmes como Subterrâneos e A Concepção, até o dia 16 deste mês -, a falha na comunicação é só o começo da metástase. É todo um blecaute de sentidos que coloca o tal mundo dos personagens em perigo.
Elias (Eucir de Souza) não sabe o que fazer. Envolve-se em um acidente de trânsito que evolui para o trauma e quando sua ex-mulher, uma junkie em recuperação, pede a guarda de seu filho, Elias vê ameaçada a única relação de intimidade que ainda mantém. Desesperado, ele se esconde em um hotel velho no Centro de São Paulo, à espera não sabe bem do quê.
Não convém aqui entregar muito mais da trama, mas vale dizer que é a impessoalidade do hotel que permite a Elias reencontrar seus signos. Nesse espaço zerado, o jornalista e fotógrafo, que afinal sobrevive de apreender a realidade de maneira sensorial, pode reeducar o olhar. Os diálogos de Belmonte, coescritos por Mário Bortolotto, estão cheios de aproximações - "esse negócio de mão", "esse negócio de mudo" - para exprimir esse recomeço de comunicação. O mesmo vale para os fade-outs constantes no começo do filme; é como se o blecaute fosse literal.
Com tantos simbolismos, Meu Mundo em Perigo talvez esteja mais próximo de um Não Por Acaso do que dos outros filmes de Belmonte. É um caminho de risco, como também foi arriscada a opção de Philippe Barcinski por criar personagens-símbolos para falar da brutalidade das relações. Com Belmonte, que afinal não é diretor de meias palavras, esse uso frequente chega quase à saturação. Fica um pouco a critério do espectador julgar se polaroides e bilhetinhos por baixo da porta hoje são tocantes ou só uma ingenuidade.
Meu Mundo em Perigo | Horários e cinemas