Resgatando as memórias da infância pobre, José Mauro de Vasconcelos encontrou o sucesso na vida adulta. Em 12 dias, deu corpo às quase 200 páginas de Meu Pé de Laranja Lima e transformou sua improvável amizade com a pequena árvore do quintal em um fenômeno editorial. Lançado em 1968, o livro, hoje umas das publicações brasileiras mais traduzidas, enfrentou a resistência da crítica por seu apelo sentimental, mas foi logo acolhido pelo público, que o incorporou ao imaginário do país.
meu pe de laranja lima
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Aurélio Teixeira foi o primeiro a levar o livroao cinema, em 1970, mesmo ano em que a história chegava à televisão, em uma novela da TV Tupi (novas versões novelescas surgiriam em 1980 e em 1998, na Rede Bandeirantes). Ciente da ausência de Zezé e sua árvore na cultura brasileira dos anos 2000, a produtora Kátia Machado encomendou aos roteiristas Marcos Bernstein e Melanie Dimantas uma nova adaptação do clássico infantojuvenil. Dez anos depois, Meu Pé de Laranja Lima retorna ao cinema em uma visão diferente, mais melancólica e completa, do texto de Vasconcelos.
Em seu segundo longa como diretor, Bernstein (roteirista, entre outros, de Terra Estrangeira, Central do Brasil e O Outro Lado da Rua, sua estreia na direção) exalta a qualidade biográfica da obra original, colocando o autor como personagem. É Vasconcelos (Caco Ciocler) que abre o filme, ao receber em casa o primeiro exemplar do livro, e dá início à narrativa que depois será conduzida pelo menino Zezé (João Guilherme Ávila). Em um carro antigo, segue por estradas de terra para dividir com um velho amigo sua nova conquista e as reminiscências da infância.
Enredo e imagens são então compostos como recordações. Não se trata de uma versão crua de uma infância pobre cheia de fantasias, mas da lembrança dessa infância, onde imaginação e realidade se confundem. Bernstein não se preocupa em explicar didaticamente a vida de Zezé e seus sofrimentos oriundos da pobreza e do alcoolismo do pai. O mundo do personagem se desdobra aos poucos, partindo do menino que se apresenta “com o diabo no corpo” em uma prece por um presente da natal para o irmãozinho. Daí segue uma realidade propositalmente anacrônica, onde convivem CD’s, celulares, carros antigos e trens, e se estabelecem as amizades que mudarão a vida do menino, com a árvore do título (que por sua aparência frágil recebe a alcunha de Minguinho) e com o antes temido Portuga (José de Abreu).
A visão de Zezé sobre sua própria vida é o que importa nesta nova versão de Meu Pé de Laranja Lima. Bernstein traduz essa qualidade pela fotografia de Gustvo Hadba, que exalta o verde do interior de Minas Gerais, e por suas escolhas de ângulos, usando, por exemplo, o contra-plongée (quando a câmera filma de baixo para cima) nos momentos de repressão. O uso do plano para refletir o ponto de vista de uma criança poderia ser um clichê cinematográfico, mas aqui transmite com precisão a visão exagerada das recordações de Zezé, que não se lembra da dor sofrida, mas das expressões nos rostos de seus agressores. Os planos escolhidos pelo diretor também são felizes na hora de contornar as dificuldades do elenco infantil, que afasta a câmera para fugir de eventuais falhas na atuação.
Seguindo a linha das adaptações anteriores, Bernstein poderia ter facilmente transformando seu Pé de Laranja Lima em um melodrama comercial, servindo-se das diabruras de Zezé como alívio cômico. Seu filme, porém, supera sua condição inicial de "versão ao cinema do clássico infantojuvenil" e adapta fielmente não as palavras, mas a essência do livro de Vasconcelos: as impressões de uma infância sofrida que foi salva pela imaginação.
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