Lisbeth Salander não é uma personagem feminina convencional. Diferente de tantas heroínas rasas da ficção, ela não é definida como frágil, devota a um amor ou sequer tem uma moral exemplar. Na realidade, é inadequada, contestadora, sensível à sua maneira e, em muitos sentidos, única. A beleza da criação do escritor Stieg Larsson está justamente na sua complexidade e, por isso, adaptar qualquer história envolvendo a hacker sueca já é por si só um desafio. Mas, para o diretor Fede Alvarez, a missão pode ter sido ainda mais arriscada. Propondo-se a narrar os eventos do primeiro romance da série sob o comando de um novo autor, em Millennium: A Garota na Teia de Aranha o cineasta se sujeitou não apenas ao escrutínio dos fãs dos livros, como também dos espectadores dos quatro longas anteriores com a personagem.
Embora o livro seja uma sequência direta da trilogia original, o filme tenta ser autossuficiente. Lisbeth é apresentada como uma hacker independente que, nas horas vagas, vinga mulheres vítimas de violência doméstica. Mikael Blomkvist, por sua vez, é um jornalista que espera conseguir se redimir com Lisbeth pelos seus erros. O caminho deles volta a se cruzar somente quando ela é contratada para uma tarefa inusitada: roubar da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos um programa capaz de controlar arsenais bélicos do mundo inteiro. Quando os planos não correm conforme o esperado e o software para nas mãos de uma organização criminosa perigosa, ela se vê obrigada a pedir a ajuda de Mikael.
A intenção de fazer uma história sem lastro nas primeiras produções é inteligente, mas não bem-sucedida. Alvarez e os também roteiristas Jay Basu e Steven Knight pecaram em um dos pontos mais importantes de qualquer Millennium, a ligação entre Lisbeth e Mikael. A relação dos dois foi desenvolvida superficialmente, sem que fique claro por que hacker e jornalista se importam um com o outro. Há sim o indício de uma atração física e a menção da reportagem que ele escreveu sobre ela, mas não é suficiente para que se entenda qual é a bagagem deles.
É verdade que o trio de roteiristas reproduz o emaranhado de narrativas que eventualmente se encontram, como Larsson bem fez nos primeiros livros. No entanto, não se tem a sensação de urgência conforme o longa avança. Começo, meio e fim de A Garota na Teia de Aranha tem o mesmo nível de tensão, sem que nunca se chegue a um clímax. A revelação da vilã e todo o terceiro ato, que deveriam ser os momentos mais emblemáticos do filme, ficam na memória apenas pela bela fotografia de Pedro Luque.
De todo o elenco, talvez Claire Foy seja a que sai mais prejudicada. A atriz entrega uma boa performance como Lisbeth, mas, em última instância, não muda a sensação de que se está diante de um doppelgänger. O filme parece, mas não é um Millennium.
A Garota na Teia de Aranha não é de todo ruim. É simplesmente morno. Não há nada que o torne minimamente memorável, seja na trama, na direção ou nas atuações. Se o objetivo era criar sua própria trilogia, Fede Alvarez terá alguns ajustes a fazer. Hoje, não empolga nem os fãs da franquia, nem aqueles que mal conheciam sua protagonista.