No campo da coincidência, há poucas peculiaridades no calendário de estreias dos cinemas brasileiros que se equiparam ao fato de Minions 2: A Origem de Gru ser lançado na semana seguinte ao de Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo. Além de carregarem na periferia de suas histórias a mesma imagem de uma pedra com olhos adesivados e de gente aprendendo kung fu por vias tortas, ambos os filmes apelam para narrativas aceleradas quase que por uma questão de orgulho, gerando um tipo de desgaste que parece já ser pensado para a experiência que o espectador há de ter na sessão.
Considerando que o segundo capítulo da franquia derivada de Meu Malvado Favorito já agoniza há dois anos para chegar ao circuito por conta da pandemia, esse acaso desperta ramificações interessantes. Entre as tantas conclusões apressadas que se pode fazer neste início de década, é possível defender que um dos temas que se solidificam como centrais no imaginário destes anos 20 seja o da hiperatividade, alimentado pelo esgotamento crescente das redes sociais, o desgaste da exploração do trabalhador e na melhor percepção dos transtornos de déficit de atenção enquanto condição e não doença.
É claro que há uma grande distância entre as discussões do burnout e do TDAH, mas existe nesse meio do caminho uma oportunidade. Em tempos de excesso, faz sentido que a indústria apele para experiências que tentem se igualar à aceleração do cotidiano, e o exagero começa a fazer parte do charme - até em questão de escala, vide a popularidade vigente do formato das minisséries e dos “filmes evento”. Nesse ponto, a desatenção se torna uma questão de sintonia: já que o volume de informação é insustentável, resta o fluxo.
No caso específico de Minions 2, o que fascina é que tal projeto já se cristalizou como razão de ser dos filmes a essa altura da franquia. A curta duração de 90 minutos soa até enganosa perante a expansividade contínua do longa, que acena para comparações com a franquia James Bond - com direito a créditos de abertura temáticos - menos por paródia que por conveniência de formulação. Múltiplas tramas são abertas e alternadas como videoclipe sem grande necessidade, aumentando o escopo de uma história que a princípio não poderia ser menor, sobre os tais primeiros anos da amizade de Gru com seus diminutos e adoráveis capangas amarelos de macacão jeans.
Mas essa inconsequência dos atos é parte da estrutura pensada pelo diretor Kyle Balda, até porque prescinde dessa desatenção do espectador com toda a zona. Dizer que Minions 2 é lisérgico é sucumbir demais à estética setentista da premissa, mas não é exagero pensar que o filme brinca constantemente com todos esses elementos, das cores fortes e resplandecentes da animação aos diversos momentos que mergulham o público na perspectiva dos personagens em situações de desgaste. Seja quando encontramos Gru exausto após girar por horas num aparato de tortura disco ou Otto após horas pedalando no deserto atrás de um colar, a produção funciona na base da overdose sensorial, como um barco viking que pende seus passageiros pela centésima vez.
Nesse sentido, não é tão fora da casinha aproximar a continuação dos efeitos de um Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, até porque como no filme de Kwan e Scheinert é inevitável que se encontre alguma coisa de interesse dentro do ritmo alucinado. Quem mais rende aqui curiosamente é o núcleo de Kevin, Stuart e Bob, que diverte enquanto o trio vive um curta no seu próprio filme, tentando localizar e salvar Gru de um rapto por um grupo de supervilões.
Fora disso, porém, o “arrojamento” de Minions 2 pode ser dos mais formulaicos, e a centralidade de Gru na trama é um bom lembrete do quanto da afinidade do filme com os tempos se dá pela via da conveniência. Com tanta bola girando na tela, não passa batido ao espectador que a história se baste no exercício de preencher “lacunas” na trajetória do personagem, e a narrativa desde o começo parece existir apenas para bater ponto nas explicações de como o vilão veio a se tornar quem conhecemos.
Isso inclui até uma relação paterna conquistada pela amizade, mas pouco dos Minions, e é desse entrave que Balda parece querer distrair o público constantemente. Se no anterior havia a benção de mostrar como os personagens chegaram a Gru, no segundo capítulo os protagonistas são reduzidos a meros coadjuvantes dentro da própria franquia, confinados a repetir na narrativa a dinâmica de acessórios distrativos. O nome diz Minions 2, mas em certa medida poderia ser “Meu Malvado Favorito 0” sem grande perda.
O curioso em tudo isso é o paradoxo que se inventa, prezando o que é divergente ao núcleo maior para fazer valer a pena a experiência. É quase uma ciência da desatenção aplicada a narrativas, o que não deixa de ser muito oportuno aos realizadores: como Gru no aparato de tortura, o espectador fica tonto de dar voltas e voltas no mesmo lugar.