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Crítica

Missão: Impossível 7 se dobra sob o peso de novas aspirações

Filme em duas partes deixa o apelo casual de lado em busca de importância

12.07.2023, às 16H40.
Atualizada em 11.08.2023, ÀS 17H59

Dos três ou quatro piques que Tom Cruise dá em Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1, um deles gera um efeito curioso. Ethan Hunt está correndo pela varanda do Palácio Ducal, um dos pontos turísticos mais famosos de Veneza, e a sucessão de colunas à noite faz parecer no movimento de câmera que vemos o ator desacelerado entre fotogramas. O efeito deve estar fresco na memória do público pois há menos de um ano Jordan Peele o revisitou em Não! Não Olhe!, quando reconta a história do “primeiro filme” nas fotografias do jóquei com o cavalo.

Não parece ser uma coincidência. É como se esses filmes que estão carregando a tocha do cinema depois da pandemia - hoje confia-se a Cruise, Peele e mais uma dúzia de nomes a missão de encher as salas - precisassem mesmo revisitar a aurora das imagens em movimento para sublinhar sua autoridade na questão. Nas bilheterias da atual temporada, John Wick 4 fez sua parte no salvamento, mas como sempre a franquia esteve à frente: uma menção ao pioneiro do cinema Buster Keaton (1895-1966) já acontecia em John Wick 2 em 2017.

Mas salvar o cinema não seria pedir demais de Missão: Impossível? Ao longo de sete filmes inspirados na série de TV sessentista, o arsenal de truques já ficou bastante claro, envolve sempre um jogo de gato-e-rato e trairagem com um ritmo intensificado de viradas, uma vez que, nesse mundo de espiões moldado pela tecnologia, a máxima de que “nada é o que parece ser” permite realmente um volume quase farsesco de reviravolta sobre reviravolta. Se Missão: Impossível salvar o cinema, não será pelo seu ineditismo, mas justamente pela repetição.

O sétimo filme não parece confiar muito nisso, porém. O fato de ser uma história dividida em dois longas-metragens, por si só, já coloca mais peso sobre a trama, que deixa de ser um pretexto casual (o MacGuffin da vez, a ameaça da vez) para convidar a uma amarração mais dramática de continuidade. Assim como no terceiro filme, “agora é pessoal”, e envolve um vilão do passado que descobrimos ser o nêmesis na narrativa de origem de Ethan Hunt. Acerto de Contas deixa soltas as motivações do vilão - maiores explicações na parte 2? - e não trata essa premissa como apenas um pretexto da ação, e sim como seu maior mistério.

Ao atribuir mais importância a elementos que sabemos ser meramente decorativos na franquia, é como se este sétimo filme tentasse se consertar sem que nada estivesse necessariamente quebrado. Sob o peso de salvar o cinema e o mundo, Tom Cruise e o diretor Christopher McQuarrie aproximam Ethan Hunt do James Bond da era Daniel Craig, a partir mesmo da cena inicial em que vemos Hunt saindo das sombras para entrar no filme. Essa cerimônia da revelação colore Acerto de Contas de autoimportância, e a partir dela tudo no filme ganha um caráter mais solene e menos casual.

O efeito adverso dessa estratégia é que realmente passamos a esperar mais. O que era para ser só funcional (como o MacGuffin envolvendo chaves que podem desligar uma inteligência artificial que ganhou consciência e se rebelou) levanta dúvidas por sua inconsistência de ficção científica (por que essa IA escolheria um humano para fazer sua revolução das máquinas?). A própria cena desafiadora com Cruise fazendo seus stunts na moto gera uma espera desmedida que a desabona; a escolha por colocar a cena do avião logo na abertura do quinto filme parecia mais esperta nesse sentido.

Se este Missão: Impossível parece meio incapaz de suprir suas novas aspirações usando truques velhos - apelar para os momentos de bater-carteira para operar as reviravoltas pode até parecer uma novidade mas ela não exige nenhum suor de McQuarrie do ponto de vista da encenação - ao menos a entrada de Hayley Atwell oferece às cenas de ação uma cara nova. Como ela interpreta uma ladra despreparada para o mundo de alta performance do IMF, as lutas e as perseguições têm um caráter mais mundano: há quem dirija mal e há quem tenha medo de altura, afinal, no mundo dos blockbusters de ação onde todos são competentíssimos.

A escolha de transformar a personagem num avatar do espectador dentro do filme tem dois efeitos que ajudam demais Acerto de Contas. O primeiro é que este Missão: Impossível se coloca como uma bem-vinda volta à fisicalidade e ao impacto emocional na ação, em oposição aos filmes que já aboliram qualquer noção de física para competir na estratosfera do MCU, como os Velozes e Furiosos. O segundo efeito é que, através do olhar da personagem, tudo em cena realmente parece urgente, importante e superdimensionado. Faz diferença misturar isso de forma orgânica no texto ao invés de impor no roteiro uma rigidez que não combina com Missão: Impossível.

Nota do Crítico
Bom