A Disney já discutiu abertamente as origens de Moana 2. A continuação do hit animado de 2016 começou como uma série animada para o Disney+ que, segundo os executivos, tinha uma história tão boa, que não podia ficar apenas na telinha no streaming. Traduzindo o business talk para o bom português: a Disney Animation precisava de um hit e o CEO Bob Iger reconheceu a oportunidade de aproveitar o trabalho feito para o seriado para acelerar o lançamento de uma continuação nos cinemas que, se começasse do zero, demoraria alguns anos para chegar.
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Sem intervalos e com um altíssimo valor de produção, Moana 2 chega aos cinemas ainda com as raízes televisivas visíveis. Da estrutura claramente episódica (é fácil identificar onde cada capítulo terminaria) às sugestões deixadas por uma cena pós-crédito que parece gritar “volte na próxima temporada”, a cartada de Iger pode até fazer todo o sentido do ponto de vista de negócios – e os números de bilheteria sugerem que vai – mas não consegue retirar do filme a sensação de que, oito anos após o original, toda a espera não trouxe consigo uma aventura robusta. Para usar termos oceânicos, temos aqui algo satisfeito em brincar no raso.
O que não quer dizer que Moana 2 não ofereça nada de bom. Uma ida à praia ainda é uma ida à praia, mesmo que o sol não seja tão brilhante como você lembra. Visualmente, a animação oferece alguns dos maiores espetáculos da era 3D da Disney, do design de criaturas surpreendentemente lovecraftianas ao desenrolar de sequências musicais psicodélicas, e a cultura polinésia segue dando um tempero particular à narrativa, o que é mais importante do que nunca já que falta ao filme um gancho tão eficaz quanto o do anterior.
Em linhas gerais, Moana 2 é um repeteco do primeiro. Moana (Any Gabrielly) precisa novamente deixar sua terra natal para viajar até “o outro lado do oceano” e encontrar uma ilha perdida para restaurar as correntes marítimas e permitir que os diferentes povos da região se conectem. A premissa meio “estamos sozinhos no universo?” é complicada pela existência de um deus malvado que, por razões pouco convincentes, quer deixar os humanos isolados. De qualquer forma, a navegadora parte em direção ao horizonte com novos (e velhos) amigos, mas uma atitude diferente.
O ponto mais interessante do filme vem em como Moana se mostra relutante a deixar tudo para trás novamente. Agora mais velha, e com uma irmã mais nova cuja existência serve unicamente para que o filme tenha uma criancinha fofa com que representa todas as crianças obcecadas com Moana, ela sabe que se as coisas derem errado no mar, há muito o que perder. É a ideia mais interessante do roteiro de Jared Bush e Dana Ledoux Miller, mas esse conflito interno – que já era desafiado pela noção de que o filme termina com Moana já navegando em alto mar – é deixado de lado sem muita cerimônia. No seu lugar, os diretores David G. Derrick Jr., Jason Hand e a própria Miller ensaiam uma jornada ocacionalmente divertida, mas nada comparável à original.
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O principal problema é que falta um impulso emocional tão eficaz quanto o primeiro. O filme nos diz que se Moana não encontrar a tal ilha, a história do seu povo vai acabar. O risco nunca ganha contornos reais e o teor apocalíptico não tem peso algum num filme voltado para crianças. Felizmente, ainda que o destino seja óbvio e pouco ameaçado, as paradas no caminho ainda divertem. Os Kakamora ganham mais espaço e se provam uma das melhores partes de Moana 2, e uma personagem aparentemente vilanesca, Matangi (Lara Suleiman) brilha nos seus 10 minutos de tela como mais ninguém, responsável por trazer o que é, de longe, o melhor número musical do filme.
Falando nas músicas, tenho más notícias para os pais que temiam que Moana 2 tivesse uma trilha sonora inferior ao do primeiro, e portanto incapaz de fazer seus filhos enfim trocarem o disco para novas canções. É melhor ir se preparando para mais oito anos ouvindo “Saber Quem Sou”. Gabrielly novamente arrasa na voz, mas Lin-Manuel Miranda faz falta nas composições. As canções de Moana 2 não oferecem um som muito próprio, e se beneficiam de visuais genuinamente empolgantes para se sustentar. Sozinhas, as letras e ritmos não vão além do típico da Disney.
Para quem optar pela versão dublada, fica o lembrete de que mais uma vez o texto “descolado” procura refletir modismos; expressões como “arrasta pra cima” e “o pai tá on” podem soar estranhas ao ouvido num filme que Maui (Saulo Vasconcelos) diz se passar 2 mil anos antes da invenção do email. Datar seu filme com algo que pode sair do vocabulário urbano em questão de meses parece discutível, mas de qualquer forma a aposta da Disney não é o longo prazo e sim o fim de semana de estreia na bilheteria.