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Crítica: Mortal Kombat vive pelo fan service em filme morno

Acertos na estética do universo e nas referências não escondem defeitos de uma adaptação ocasionalmente divertida, mas sem alma

18.05.2021, às 14H00.
Atualizada em 20.05.2021, ÀS 16H16

Os tempos estão mudando. Com o sucesso colossal dos videogames cada vez mais difícil de ser ignorado, Hollywood percebeu o potencial de uma nova tendência e colocou uma infinidade de projetos em desenvolvimento. Nesse primeiro momento, apesar de exemplos sólidos como Sonic, falta uma obra de peso que realmente dará o pontapé inicial para a era dos games na TV e nos cinemas. Entre erros e acertos, esse posto não será do novo Mortal Kombat.

Aliás, a adaptação dos games da NetherRealm tem tudo para ser divisiva. Não necessariamente por tomar grandes riscos ou decisões ousadas, mas sim por colocar grande esforço de produção em algo que se contenta em entregar o básico, criando uma experiência que é divertida em muitos momentos, mas que joga tão seguro ao ponto da frustração.

A trama acompanha Cole Young (Lewis Tan), um lutador de MMA que se envolve em intrigas de realidades paralelas ao ser caçado por Sub-Zero (Joe Taslim), assassino enviado pelo perverso Shang Tsung (Chin Han). Acontece que, há séculos, a humanidade disputa o controle da Terra com reinos paralelos em uma competição sangrenta chamada de Mortal Kombat. Com o reino da Exoterra prestes a ganhar seu décimo torneio consecutivo, o destino do planeta fica nas mãos do deus do trovão Raiden (Tadanobu Asano), que reúne Cole e outros lutadores escolhidos para defender a humanidade na disputa.

Para quem nunca teve contato algum com Mortal Kombat, o filme faz um ótimo serviço em traduzir uma mitologia bastante expansiva - de realidades alternativas, tradições anciãs, deuses antigos e forças do mal - em algo de fácil compreensão. O mais surpreendente, é conseguir isso sem alienar o fã antigo, algo consistente com a forma de narrativa de títulos recentes, como Mortal Kombat X e Mortal Kombat 11, ainda que bem mais superficial. É visível que há muito carinho pelos games na produção, que consegue preservar a essência do material-base.

Como fan service, o longa é um acerto: alterna entre brincar e homenagear a própria mitologia, apresenta um grupo considerável de rostos dos jogos, e recria cenários e figurinos de forma precisa, mas sem deixar de tomar algumas liberdades criativas que lhe garantem autenticidade. Seja nos fatalities bastante sangrentos (um dos maiores destaques), ou então em piadas muito específicas, como Liu Kang (Ludi Lin) “apelando” na rasteira durante uma luta, é certo que há algo de valor para o público mais experiente e fiel.

O problema é a construção de Mortal Kombat como filme. O roteiro não faz ideia do que explorar no universo intrigante que tem nas mãos. Sem um bom gancho na trama, fica visível que a única motivação da obra é criar uma franquia nos cinemas. Isso motiva decisões questionáveis, como deixar o torneio titular apenas para a sequência, e usar suas quase duas horas de duração para criar uma equipe de heróis, em uma estrutura narrativa que mira na Marvel Studios mas entrega uma jornada de descobrimento juvenil a lá Percy Jackson, em que cada um dos lutadores precisa achar seu poder interior. A abordagem não bate com o tom, e também dá um gosto de adaptação genérica ao longa. Salvo por Kano (Josh Lawson) aliviando a tensão com bom humor, Mortal Kombat não demonstra um pingo de alma em sua trama ou personagens, e mais parece fruto de uma inteligência artificial do que da criatividade de um humano.

A direção talvez seja o maior dos problemas. Não é incomum que diretores de comerciais e videoclipes migrem para o cinema, mesmo em projetos grandes. No começo dos anos 2000, por exemplo, foi o caso de Zack Snyder com Madrugada dos Mortos (2004). Já Simon McQuoid tinha certa proximidade com o universo dos games, ao ter comandado propagandas para Halo e para o PlayStation. O cineasta, porém, não fica à altura de Mortal Kombat, e falha não só em dar estilo e personalidade ao longa, mas também em tornar as lutas, o ponto central da nova adaptação, combates interessantes e criativos.

É preciso ressaltar o quão bom é o elenco do longa, especialmente no lado asiático, repleto de intérpretes experientes em artes marciais e produções de gênero. Isso não fica visível nas mãos de McQuoid, que roda as brigas sem nenhuma atenção ao ritmo, ao impacto da porradaria ou ao esforço dos participantes. Também não há consistência alguma nos combates, que ora são super picotados e mal montados, ora são tão lerdos que mais parecem um ensaio.

Entre os atores, há poucos cujo talento é tanto que se destacam mesmo na câmera medíocre do cineasta. O Kung Lao de Max Huang, por exemplo, brilha em todos os momentos que aparece, ainda que a expertise do discípulo de Jackie Chan pouco dê as caras. Já o Sub-Zero de Joe Taslim é tão ameaçador e habilidoso que sua presença é a mais marcante de toda a obra. O Scorpion de Hiroyuki Sanada, eternamente em guerra com Sub-Zero, também fica à altura do rival, e a dupla protagoniza as duas únicas lutas que verdadeiramente valem a pena. Mas, para um filme em que a porradaria é ofertada como prato principal, é especialmente decepcionante sair insatisfeito com isso.

Tanto a escrita quanto a direção decepcionam aqui, mas nem sempre ter um diretor novato é sinônimo de fracasso. Afinal, em 1995, a New Line Cinema fez justamente isso, colocando o então-iniciante Paul W.S. Anderson para comandar a primeira adaptação de Mortal Kombat. O clássico é de uma galhofa gigantesca, com lutas lamentáveis e uma aura de filme B - e mesmo assim se sai melhor que a versão de 2021, justamente por demonstrar escolhas ousadas e um estilo marcante em prol do puro entretenimento.

É possível se divertir com o novo filme, seja pelo carisma do elenco, pelos ocasionais fatalities ou pelo universo intrigante, mas é uma obra que em momento algum demonstra ter a voz de um cineasta. Na promessa de uma sequência que enfim mostrará o torneio (e a chegada de Johnny Cage), há com o que se animar no futuro, mas urge a necessidade de uma nova equipe criativa que realmente queira entregar um filme bom com todas as peças que têm nas mãos, e não só levantar uma marca bilionária nas telonas para o estúdio.

Nota do Crítico
Bom