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Quando o brasileiro Olga (de Jayme Monjardim, 2004) foi escolhido para tentar uma vaga entre os cinco finalistas ao Oscar de Melhor filme estrangeiro, a reação foi quase imediata: "enfim temos chances de ganhar o troféu". Tal pensamento veio à mente porque o filme sobre a judia-alemã-comunista tem tudo para cair no gosto dos votantes desta categoria, na sua maioria judeus de idade avançada. Desta vez, o nosso indicado finalmente fala de judaísmo, sofrimento e holocausto, temas tão caros à Academia.
Porém, depois de ver O abraço partido (El abrazo partido, de Daniel Burman, 2004), a chama da esperança começa a evanescer. O filme que representa o cinema argentino, em excelente fase, compartilha o judaísmo e tem muito mais. A história sobre um jovem nos seus vinte e tantos anos em busca da sua própria identidade não usa de golpes baixos para conseguir lágrimas e ainda consegue algumas risadas.
O protagonista e narrador é Ariel Makaroff (Daniel Hendler). Vale a pena chegar mais cedo ao cinema para não correr o risco de perder os primeiros minutos, quando ele vai mostrar a Galeria onde a maior parte da história se passa e todos os seus personagens. Segundo Burman, que tem apenas 30 anos, aquele amontoado de lojas no centro de Buenos Aires é uma das possíveis leituras da Argentina das últimas crises. Há por ali um cheiro de fracasso e marasmo. E para Ariel, há algo ainda pior: todos os seus traumas de infância. A loja na qual trabalha é gerenciada por sua mãe (Adriana Aizenberg) e estampa no vidro o nome do pai, que saiu da Argentina quando ele era apenas um bebê e nunca voltou.
Sua única lembrança do pai vem de um vídeo velho. Era o dia de sua circuncisão e Elias (Jorge D´Elía) aparece rapidamente na tela. "Que tipo de cara é este que se diverte cortando o pipi de seu filho e em seguida desaparece por trinta anos, sem dar explicações?", questiona Ariel. Ele sabe que o pai está vivo - em Israel, onde lutou na Guerra de Yom Kippur, e decidiu ficar - , mas não compreende, nem desculpa esta atitude.
Para fugir de todos estes problemas há uma solução: conseguir o passaporte polonês a que tem direito por ter avós emigrantes de lá. Assim, poderá finalmente terminar sua faculdade na Europa e ficar pelo velho continente. Durante e após a última forte crise argentina, em 2001, a buscar por passaportes europeus disparou no país. Este foi o ponto de partida para que Burman escrevesse o roteiro junto com o jornalista Marcelo Birmajer. O diretor chegou a conseguir sua cidadania polaca e conta que a entrevista na embaixada polonesa que ele mostra em seu filme é muito parecida com a que teve de enfrentar. Mas o que mais lhe movia era o dilema moral: por que ele estava pedindo cidadania de um país que expulsou seus avós pelo simples fato de serem judeus?
Seguindo passos
Para ajudá-lo a contar mais esta história, Burman chamou novamente o ator uruguaio Daniel Hendler. Esta é a terceira vez que trabalham juntos. Antes, fizeram Esperando o Messias (2000) e Todas as aeromoças merecem o céu (2002). A primeira colaboração, que foi também a estréia de Hendler no cinema, é considerada pelo diretor o início de uma trilogia, cuja segunda parte é justamente O abraço partido. A amizade e cumplicidade entre os dois já vem sendo comparada à dupla formada por François Truffaut e Jean-Pierre Léaud, que em vinte anos trabalharam juntos sete vezes.
E comparações com mestres do cinema parecem ser uma constante para Burman. Segundo alguns críticos, seu estilo lembra muito os trabalhos de Woody Allen (Igual a tudo na vida, 2003) e Nanni Moretti (O quarto do filho, 2001). Realmente, estão lá a ousadia de conseguir tirar sarro de si mesmo, como faz o judeu norte-americano, e a emoção e humanidade do italiano. Estas características ajudaram O abraço partido a ser premiado com o Urso de Prata do Festival de Berlim deste ano e Hendler a ganhar o mesmo troféu pela sua atuação. Agora, aquele passaporte polonês pode continuar no fundo da gaveta, afinal, ele já conquistou o velho continente com seu cinema.