A ideia de jogar com a pretensão de ser um registro totalizante e definitivo já está presente em Mulheres do Século 20 (20th Century Women, 2016) desde seu título. Juntar e explicar feminismo, fim das ideologias, o movimento punk, maternidade, psicanálise e questões geracionais como se tudo isso pudesse ser esgotado dentro de um longa-metragem obviamente é uma megalomania, e o roteirista e diretor Mike Mills (Impulsividade, Toda Forma de Amor) a usa em seu favor, com viés cômico.
Para situar seu filme, Mills escolhe um microcosmo muito particular, onde se identifica essa megalomania com frequência: a comunidade progressista de esquerda da Califórnia, uma das bolhas de prosperidade da elite cultural e intelectual dos EUA, onde decisões filosóficas são debatidas e tomadas em favor do resto do mundo. Dorothea (Annette Bening) é uma mãe divorciada que, por conta da diferença de idade com seu filho adolescente, acha-se incapaz de criá-lo sozinha para ser um homem formidável, numa época de mudanças tão rápidas, fim dos anos 1970. Ela então pede a ajuda de duas mulheres mais jovens, a melhor amiga do filho (vivida por Elle Fanning) e uma moça que aluga um quarto na casa de Dorothea, Abbie (Greta Gerwig). As boas intenções de todos inevitavelmente gerarão atritos.
Mills vem de uma geração de babyboomers que, por seu ponto de vista historicamente privilegiado, se vê capaz de visitar na ficção tanto a geração anterior, a chamada Grande Geração, que sobreviveu à Depressão e venceu a Segunda Guerra, quanto as seguintes, que sempre lutaram para ocupar (ou vandalizar) o vácuo deixado pelas ilusões perdidas pós-Nixon, pós-Reagan. Mulheres do Século 20 se parece com os livros de um contemporâneo de Mills, o romancista Jonathan Franzen, na forma como transforma as preocupações geracionais dos liberais americanos em anedota e particularmente no seu jeito de revisitar a Grande Geração como hipertexto; as citações ao passado de Dorothea e do país surgem no filme mais como elemento de contextualização, para completar a paisagem, dar-lhe forma, sem necessariamente afetar a trama.
Essa opção pelo registro panorâmico - que o filme reforça até o fim com seus planos acelerados, seus zoom-in e zoom-out, suas cenas reduzidas a uma sucessão de momentos-chave - é um risco porque poderia fazer de Mulheres do Século 20 um filme distante e paternalista, que olha seus personagens com condescendência. Não é o que acontece. O elenco muito bem dirigido sabe atribuir autenticidade e graça a personagens que operam em dois níveis. O primeiro, mais evidente, é o anedótico e panorâmico, em que todos parecem geneticamente obrigados a problematizar tudo que lhes acontece, da fotógrafa dedicada a transformar as banalidades do seu dia a dia em manifestação artística à adolescente tragicamente consciente dos seus padrões de comportamento. Já o segundo nível, que deriva do primeiro, como um retrogosto, é onde reside de fato o filme, quando percebemos que essa necessidade de se avaliar, se vigiar, é o que permitiu às tais mulheres do século passado sobreviver em constante reinvenção no mundo dos homens, sem deixar de ser a constante desse mundo.
Essa autoconsciência do movimento, do gesto, irradia no filme para uma série de escolhas que visam engrandecer as protagonistas, desde a opção por não mostrar os rostos de homens na vida de Dorothea, até a estrutura do roteiro que não transforma conflitos em subtramas (o que reduziria o drama a eventos pontuais, talvez, quando no fundo o grande drama é a condição de ser mulher no século 20). O resultado é um filme conciliador que trabalha esses conflitos de uma maneira envolvente e quase casual, como se fosse um bildungsroman ao estilo Quase Famosos em que a família substituta do pequeno homem em construção fosse menos a banda de rock e mais o bando maternal de groupies empoderadas.
Mesmo no seu aspecto mais pedagógico (acho que eu nunca tinha visto antes um filme acompanhado de bibliografia na tela), Mulheres do Século 20 nunca é moroso ou pedante. Os diálogos rápidos vão da empatia ao mansplaining em viradas certeiras, e mesmo escolhas bastante literais (como a menção à morte de uma personagem em 1999, literalmente o fim do século) se tornam mais toques afetuosos do que necessariamente uma literalidade mesmo. Ao juntar esses pequenos insights com pedaços de conflitos, pensatas e impressões sobre o mundo, Mulheres do Século 20 sabe construir sua dramaturgia não com rupturas (o que seria bastante esperado numa história de formação adolescente) e sim com acúmulos. Também nisso é um filme em sintonia com a trajetória do feminino, uma jornada que se fortalece mirando-se no exemplo, a cada pequena história.